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Por que rejeitamos o Preterismo?

 


Por que rejeitamos o Preterismo?

O Preterismo é uma interpretação que afirma que as profecias de Mateus 24 e Apocalipse foram cumpridas na destruição de Jerusalém, em 70 d.C. Para eles, a "Grande Tribulação" é um evento do passado, e não algo por vir. Essa visão é incompatível com a escatologia reformada, que se baseia nos credos históricos e na promessa clara de uma ressurreição corporal e do retorno visível de Cristo. Este artigo demonstrará que o preterismo, ao tentar resolver questões de cronologia, cria erros teológicos graves, negando a natureza cósmica da redenção e ferindo a "bendita esperança" da Igreja.


I. Distinções e Perigos do Espectro Preterista

Para uma refutação precisa e intelectualmente honesta, é imperativo distinguir as nuances dentro do espectro preterista, embora a crítica reformada aponte que a hermenêutica de um frequentemente pavimenta o caminho lógico para o outro. Não se trata de um bloco monolítico, mas de um continuum hermenêutico que varia da ortodoxia excêntrica à heterodoxia perigosa.

1.1. O Preterismo Parcial (Moderado ou Ortodoxo)

O preterismo parcial, defendido por figuras contemporâneas influentes no meio reformado e evangélico, como R.C. Sproul, Kenneth Gentry, Gary DeMar e Keith Mathison, sustenta que a maioria das profecias do Discurso do Monte das Oliveiras (Mateus 24; Marcos 13; Lucas 21) e do livro de Apocalipse (geralmente os capítulos 1 a 19 ou 20) foram cumpridas na destruição de Jerusalém em 70 d.C. Segundo esta visão, a "vinda" de Cristo mencionada nestas passagens específicas refere-se a uma vinda em julgamento providencial e invisível contra a nação de Israel apóstata, encerrando a era da Antiga Aliança, e não à Parousia final e corporal.

No entanto, é crucial notar que o preterismo parcial mantém-se, tecnicamente, dentro dos limites da ortodoxia credal. Seus defensores afirmam categoricamente que ainda haverá uma futura e final Segunda Vinda de Cristo (física e visível), uma ressurreição corporal dos mortos e o Juízo Final diante do Grande Trono Branco. Eles rejeitam a ideia de que toda profecia se cumpriu, mantendo a esperança do credo.

Apesar dessa intenção de ortodoxia, teólogos reformados como Sam Waldron e Kim Riddlebarger alertam para a instabilidade inerente a essa posição. Waldron argumenta que "a mesma hermenêutica que pode atribuir tudo em Mateus 24 à Destruição de Jerusalém em 70 d.C. [...] pode atribuir tudo o mais ao passado". Ao espiritualizar passagens que falam de Cristo vindo "nas nuvens" em Mateus 24, o preterista parcial entrega as ferramentas exegéticas que o preterista total utilizará para espiritualizar a vinda em Atos 1:11 ou 1 Tessalonicenses 4, criando uma inconsistência interna perigosa.

1.2. O Preterismo Total (Hiper-Preterismo, Preterismo Consistente)

O preterismo total, também conhecido como Escatologia da Aliança ou Hiper-Preterismo, leva a lógica preterista à sua conclusão extrema e consistente. Defensores desta vertente, como J. Stuart Russell (século XIX) e autores modernos como Max King e John Bray, argumentam que todas as profecias bíblicas, sem exceção, foram cumpridas em 70 d.C. Isso inclui a Segunda Vinda (Parousia), a ressurreição dos mortos e o Julgamento Final.

Nesta perspectiva radical, a "ressurreição" é redefinida não como um evento somático (do corpo), mas como um evento puramente espiritual ou pactual — tipicamente a transição do judaísmo da Antiga Aliança para o cristianismo da Nova Aliança, ou a regeneração da alma do Hades para o Céu. Consequentemente, eles creem que o "mundo vindouro" é a era atual em que vivemos; já estamos nos Novos Céus e Nova Terra.

Autores reformados classificam unanimemente esta posição como herética e subversiva à fé cristã histórica. Martyn McGeown, utilizando a linguagem de Paulo, descreve esta doutrina como uma "gangrena" que devora a esperança cristã. Ele estabelece um paralelo direto com a heresia de Himeneu e Fileto descrita em 2 Timóteo 2:17-18, homens que "se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição já aconteceu, e assim perturbam a fé de alguns".1 A negação da ressurreição futura do corpo e do retorno físico de Cristo coloca o preterismo total fora do cristianismo confessional, constituindo "outro evangelho" e uma "religião falsa".

Característica

Preterismo Parcial

Preterismo Total (Hiper)

Posição Reformada Clássica (Amilenismo/Pós-tradicional)

Segunda Vinda (Parousia)

Futura, física e visível.

Passada (70 d.C.), espiritual/invisível.

Futura, física e visível.

Ressurreição dos Mortos

Futura, corporal (somática).

Passada (70 d.C.), espiritual/pactual.

Futura, corporal (somática) na Parousia.

Juízo Final

Futuro, universal.

Passado (70 d.C.).

Futuro, universal.

Mateus 24:1-34

Cumprido em 70 d.C.

Cumprido em 70 d.C.

Cumprimento iniciado, mas com consumação final futura (dupla referência ou recapitulação).

Grande Tribulação

Passada (Cerco de Jerusalém).

Passada (Cerco de Jerusalém).

Recorrente na era da igreja, com intensificação final.

Novos Céus e Nova Terra

Futuros (Estado Eterno).

Presentes (Era da Igreja).

Futuros (Estado Eterno/Renovação da Criação).


II. A Batalha Exegética: O Discurso do Monte das Oliveiras (Mateus 24)

O campo de batalha central e mais contestado para a interpretação preterista é o Discurso do Monte das Oliveiras, registrado nos evangelhos sinóticos. A tese preterista repousa pesadamente, quase exclusivamente, sobre a declaração de Jesus em Mateus 24:34: "Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que tudo isto aconteça".

2.1. O Significado de "Esta Geração" (He Genea Haute)

O argumento preterista é linguisticamente direto: a palavra grega genea refere-se, em seu uso primário, aos contemporâneos de Jesus. Portanto, insistem, todos os eventos descritos anteriormente no capítulo — incluindo a abominação da desolação, a grande tribulação e os sinais cósmicos — devem ter ocorrido dentro do tempo de vida daquela geração, ou seja, antes de 70 d.C. Para o preterista, qualquer outra interpretação transforma Jesus em um falso profeta.

Contudo, a exegese reformada oferece refutações robustas a este reducionismo temporal, demonstrando que o termo e o contexto permitem, e até exigem, uma interpretação mais ampla.

2.1.1. Geração como Raça ou Povo

O renomado comentarista reformado William Hendriksen argumenta meticulosamente que o termo genea possui um campo semântico flexível no grego koiné e na Septuaginta. Em concordância com o contexto teológico de Mateus — um evangelho profundamente preocupado com a relação entre Israel e a Igreja — Hendriksen propõe que Jesus se refere ao "povo judeu" ou à "raça judaica".

Nesta interpretação, a promessa de Jesus é de preservação divina: o povo judeu, apesar do julgamento terrível que estava prestes a cair sobre Jerusalém, não deixaria de existir como povo distinto até que todas as profecias da consumação fossem cumpridas. Esta visão harmoniza-se perfeitamente com a teologia paulina de Romanos 11, que prevê um futuro para Israel e garante que Deus não rejeitou totalmente o seu povo. Assim, "esta geração" não é um marcador cronológico de 40 anos, mas um marcador étnico-pactual de sobrevivência até o eschaton.

2.1.2. Geração Qualitativa (A Raça dos Perversos)

Outra linha interpretativa reformada, que encontra eco em João Calvino e nos puritanos, sugere que "esta geração" refere-se a um tipo moral de pessoa — a geração perversa, incrédula e rebelde que caracteriza a humanidade caída em oposição a Deus. Calvino, ao comentar a passagem, observa que Cristo não restringe o discurso a um curto espaço de tempo, mas estende a visão para o cuidado contínuo da Igreja através das eras, indicando que a oposição do mundo (a "geração" dos ímpios) persistirá até o fim.

O uso pejorativo de "geração" é comum nos Evangelhos ("geração perversa e adúltera", Mt 12:39). Portanto, Jesus estaria afirmando que o espírito de rebelião e a presença de opositores ao Reino não cessarão (não "passarão") até que o julgamento final ocorra. Isso serve de aviso contra qualquer utopia pós-milenista que espere a cristianização total do mundo antes da volta de Cristo, ou contra a ideia preterista de que o mal foi decisivamente derrotado em 70 d.C.

2.1.3. A Geração dos Sinais Finais (Visão Futurista)

Uma terceira possibilidade exegética, compatível com o futurismo reformado, é que "esta geração" é um pronome dêitico que aponta para o futuro: refere-se àquela geração específica que testemunhará o início dos sinais cósmicos e globais descritos inequivocamente nos versículos 29-31. O argumento é que, uma vez que esses sinais cósmicos comecem a ocorrer, o fim virá rapidamente, dentro do tempo de vida daquela geração futura específica. A "figueira" (v. 32) serve como analogia para a rapidez dos eventos finais, não necessariamente como símbolo de Israel em 1948 (como no dispensacionalismo popular), mas como indicador de que, quando os sinais verdadeiros surgirem, a consumação é iminente.

2.2. O Colapso dos Sinais Cósmicos e a "Vinda"

Uma falha crítica e insuperável do preterismo em Mateus 24 é a interpretação dos versículos 29-31: "Logo depois da tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz... e aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem... e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória".

Preteristas parciais como R.C. Sproul, Gary DeMar e Kenneth Gentry são forçados pela sua pressuposição temporal a interpretar esta linguagem apocalíptica como mera hipérbole poética para a queda política de uma nação (Israel). Eles citam precedentes do Antigo Testamento, como Isaías 13 (contra a Babilônia) e Isaías 34 (contra Edom), onde a destruição de nações é descrita como o "desfazer dos céus". Eles argumentam que "vir nas nuvens" é linguagem técnica de teofania judicial, onde Deus julga uma nação através de exércitos humanos, sem aparecer visivelmente.

No entanto, teólogos como Kim Riddlebarger, Sam Waldron e Martyn McGeown apontam que a linguagem de Jesus em Mateus 24 transcende qualitativamente o julgamento local do Antigo Testamento. O texto fala de "todas as tribos da terra" (pasai hai phylai tes ges) lamentando e do ajuntamento dos eleitos "dos quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus".

1.     A Visibilidade Global: Atribuir o ajuntamento global dos eleitos e a vinda visível em glória aos eventos de 70 d.C. exige uma alegorização que esvazia o texto de seu sentido natural e evangélico. A história não registra nenhum evento em 70 d.C. onde "todas as nações" viram o Filho do Homem. Pelo contrário, foi um evento local, trágico, mas geograficamente contido na Judeia. Como observa McGeown, o exército romano avançou de oeste para leste, enquanto a vinda de Cristo é comparada a um relâmpago que sai do oriente (leste) para o ocidente (oeste) (Mt 24:27), indicando uma manifestação súbita e universal, não uma campanha militar progressiva.

2.     A Inversão Cronológica: O preterismo afirma que a vinda de Cristo nas nuvens (o julgamento de 70 d.C.) causa a destruição. Mas o texto diz que o sinal do Filho do Homem aparece "logo depois da tribulação daqueles dias" (Mt 24:29). Se a tribulação é o cerco romano (66-70 d.C.), a vinda deveria ser após a destruição. Identificar a vinda com a destruição viola a sequência cronológica estabelecida pelo próprio Jesus.

2.3. A Grande Tribulação: Hipérbole ou Realidade Insuperável?

A insistência preterista de que a "Grande Tribulação" (Mt 24:21) já ocorreu e nunca mais haverá outra igual enfrenta um obstáculo empírico e teológico. Jesus afirma que será uma aflição "como nunca houve desde o princípio do mundo... nem jamais haverá".

Embora o cerco de Jerusalém tenha sido horrível (com canibalismo e massacre relatados por Josefo), afirmar que foi o sofrimento "insuperável" da história humana é questionável diante de atrocidades posteriores como o Holocausto (onde 6 milhões de judeus morreram, comparado a cerca de 1 milhão em 70 d.C.) ou os regimes totalitários modernos. A teologia reformada, especialmente na tradição de Vos e Berkhof, vê a tribulação não como um evento pontual passado, mas como uma realidade recorrente da "igreja militante", que culminará em uma intensificação final e sem precedentes sob o Anticristo escatológico pessoal, imediatamente antes do retorno de Cristo.8 Reduzir a Grande Tribulação a 70 d.C. minimiza a gravidade da batalha espiritual final que a Igreja deve aguardar e para a qual deve se preparar.


III. O Livro do Apocalipse: A Chave Cronológica e o Colapso do Sistema

Para que o sistema preterista funcione, o livro do Apocalipse deve ter sido escrito antes de 70 d.C., geralmente durante o reinado de Nero (c. 64-68 d.C.). A lógica é simples: o livro profetiza a destruição do Templo; se o livro foi escrito depois que o Templo já havia sido destruído, a interpretação de que ele é uma profecia futura dessa destruição torna-se anacrônica e absurda. Assim, a datação precoce é o "calcanhar de Aquiles" do preterismo.

3.1. A Supremacia da Data Tardia (Domiciano)

A erudição reformada clássica e contemporânea, apoiada por evidências históricas substanciais, favorece amplamente a datação do Apocalipse no final do reinado do imperador Domiciano (c. 95-96 d.C.). Simon Kistemaker, em seu magistral Comentário do Novo Testamento, defende vigorosamente esta datação tardia, o que refuta a premissa fundamental necessária para o preterismo.

3.1.1. A Evidência Externa (Patrística)

A evidência externa é avassaladora. Irineu de Lyon (c. 180 d.C.), uma fonte de altíssima credibilidade por ter sido discípulo de Policarpo (que, por sua vez, foi discípulo direto do apóstolo João), declara inequivocamente em sua obra Contra as Heresias:

"Pois se fosse necessário que o nome dele [do Anticristo] fosse claramente revelado neste tempo presente, teria sido dito por ele [o apóstolo João] que viu a visão apocalíptica. Pois [a visão] não foi vista há muito tempo, mas quase em nossa geração, perto do fim do reinado de Domiciano.".

Preteristas tentam reinterpretar esta citação ou desacreditar Irineu, mas Randall Price argumenta que rejeitar o testemunho daqueles que estavam separados do apóstolo João por apenas uma geração, em favor de uma teoria exegética moderna criada para salvar um sistema teológico, é metodologicamente falho e historicamente irresponsável.1 Este testemunho é corroborado independentemente por outros pais da igreja, incluindo Clemente de Alexandria, Eusébio de Cesareia (o pai da história eclesiástica), Vitorino e Jerônimo.1 A tradição da igreja é uniforme: João escreveu no exílio em Patmos sob Domiciano, décadas após a queda de Jerusalém.

3.1.2. A Evidência Interna

A evidência interna do texto do Apocalipse também milita contra a datação neroniana (pré-70 d.C.).

·        A Condição das Igrejas: Kistemaker aponta que as condições espirituais das sete igrejas descritas em Apocalipse 2-3 refletem um período de declínio e institucionalização que requer tempo. A igreja de Éfeso havia "perdido o primeiro amor", algo improvável se a carta fosse escrita apenas alguns anos após o ministério de Paulo ali. A igreja de Laodiceia é descrita como "rica e abastada". Historicamente, Laodiceia foi devastada por um terremoto em 60/61 d.C. Se o Apocalipse fosse escrito sob Nero (c. 65 d.C.), a cidade ainda estaria em ruínas ou em reconstrução precária, não em opulência arrogante. A datação de 95 d.C. oferece o tempo necessário (35 anos) para a recuperação econômica da cidade descrita no texto.

·        A Ausência de Paulo: A completa ausência de menção a Paulo ou ao seu martírio recente nas cartas às igrejas da Ásia Menor (região de ministério paulino) sugere que sua morte já era um fato histórico consolidado e distante, não um evento contemporâneo urgente.

3.2. A Falácia de Nero como a Besta e o Mito "Redivivus"

O preterismo identifica a Besta do Mar (Apocalipse 13) e o "Homem do Pecado" (2 Tessalonicenses 2) como o imperador Nero. Para sustentar isso, recorrem frequentemente à gematria, calculando o número 666 a partir de uma transliteração hebraica do nome "Nero César" (Nron Qsr).

No entanto, esta identificação enfrenta obstáculos exegéticos e históricos intransponíveis, destacados por exegetas reformados como Kim Riddlebarger e Keith Mathison:

1.     O Problema da Gematria: Para chegar ao número 666 com o nome de Nero, é necessário usar uma grafia hebraica defeituosa (adicionando um 'nun' final para fazer Neron em vez de Nero, e transliterando do latim para o hebraico, ignorando que o Apocalipse foi escrito em grego para leitores gregos). Além disso, a variante textual 616 (encontrada em alguns manuscritos) exigiria outra ginástica matemática. Riddlebarger argumenta que a identificação de Nero é especulativa e ignora que a Besta representa um poder estatal perseguidor que transcende um único imperador.

2.     O Mito de Nero Redivivus: Muitos preteristas baseiam sua exegese da "cabeça que foi ferida de morte e reviveu" (Ap 13:3) no antigo mito popular romano do Nero Redivivus — a crença supersticiosa de que Nero não morreu realmente ou que ressuscitaria para liderar exércitos partas contra Roma. Jan Willem van Henten e outros estudiosos demonstram que este mito é uma construção posterior e que as evidências contemporâneas (Oráculos Sibilinos) são estereótipos de tiranos, não profecias literais. É hermeneuticamente perigoso sugerir que o apóstolo João incorporou um mito pagão falso como base para a revelação divina inspirada.

3.     A Morte do Anticristo vs. A Morte de Nero: O argumento mais devastador é teológico. Paulo afirma em 2 Tessalonicenses 2:8 que o Senhor Jesus matará o iníquo (o Homem do Pecado) "com o sopro de sua boca" e o destruirá "pela manifestação da sua vinda" (parousia). A história registra que Nero cometeu suicídio em junho de 68 d.C., encurralado e amedrontado, cortando a própria garganta com a ajuda de um secretário.

o   Nero morreu pela própria mão, não pelo sopro de Cristo.

o   Nero morreu dois anos antes da destruição de Jerusalém (70 d.C.). Se a "vinda" de Cristo foi o julgamento de 70 d.C. (como alegam os preteristas), então o Anticristo morreu antes da vinda de Cristo, contradizendo diretamente a profecia de Paulo de que a vinda de Cristo é a causa da destruição do Anticristo.

4.     A Natureza Universal do Reino da Besta: Apocalipse 13 descreve a Besta exercendo autoridade sobre "toda tribo, povo, língua e nação" e forçando uma marca global para o comércio. Embora Roma fosse vasta, o império de Nero nunca alcançou a totalidade global absoluta implicada no texto, nem houve uma implementação universal de uma marca econômica nos termos descritos. Como observa Riddlebarger, limitar a profecia a Nero esgota o significado teológico da oposição escatológica final e universal que a Igreja deve esperar, da qual Nero foi apenas um tipo ou precursor.


IV. O Coração Teológico: Ressurreição e a Estrutura Orgânica da Redenção

A crítica mais profunda e urgente ao preterismo, especialmente em sua forma total, não é meramente cronológica ou histórica, mas soteriológica e cristológica. O preterismo total ataca a natureza da esperança cristã ao negar a ressurreição física futura, transformando a fé em uma forma de gnosticismo revivido.

4.1. A Unidade Orgânica da Ressurreição (Crítica de Gaffin)

Richard Gaffin, um dos principais teólogos reformados sobre a doutrina da ressurreição e da pneumatologia, demonstra em sua obra seminal Resurrection and Redemption que a ressurreição de Cristo e a ressurreição dos crentes não são dois eventos díspares, mas dois episódios de um único evento escatológico indivisível. Cristo é as "primícias" (1 Coríntios 15:20, 23).

O argumento de Gaffin é ontológico: Se as primícias (Cristo) são físicas, corporais e históricas (o túmulo vazio), a colheita completa (os crentes) também deve ser, necessariamente, física, corporal e histórica. A metáfora agrícola exige identidade de natureza entre as primícias e a colheita.

O preterismo total rompe essa união orgânica. Ao afirmar que a ressurreição dos crentes ocorreu "espiritualmente" em 70 d.C., eles criam uma descontinuidade fundamental entre o Salvador e os salvos. Se a nossa ressurreição é apenas espiritual (mudança de status ou aliança), isso abre a porta lógica para negar a ressurreição física do próprio Cristo, pois se a colheita é espiritual, por que as primícias seriam físicas? Paulo argumenta em 1 Coríntios 15:13-16 que se não há ressurreição dos mortos (futura), então Cristo não ressuscitou, e a fé é vã. O preterismo total, portanto, ataca o fundamento do Evangelho.

4.2. A Heresia de Himeneu e a Gangrena Espiritual

Sam Waldron e Martyn McGeown são enfáticos ao identificar o preterismo total com a heresia condenada explicitamente no Novo Testamento. Em 2 Timóteo 2:17-18, Paulo nomeia Himeneu e Fileto, que afirmavam que "a ressurreição já aconteceu". O apóstolo não diz que eles estavam apenas "errados sobre o cronograma"; ele diz que eles "se desviaram da verdade" e que tal ensino "rói como gangrena".

Para o preterista total, a ressurreição "já aconteceu" (em 70 d.C.). A condenação paulina aplica-se diretamente a eles. Waldron argumenta que a negação da ressurreição futura do corpo é uma heresia digna de excomunhão, pois redefine a salvação. A redenção bíblica não é a libertação da alma do corpo (como no pensamento grego/gnóstico), mas a redenção do corpo (Romanos 8:23). O preterismo total nos deixa com uma salvação incompleta que abandona o corpo material à morte eterna, contradizendo a vitória de Cristo sobre a morte física.

4.3. A Consumação Cósmica e o "Já e Ainda Não" (Vos e Bavinck)

A escatologia reformada, seguindo a teologia bíblica de Geerhardus Vos, entende a história da redenção através da estrutura do "já e ainda não". O Reino de Deus foi inaugurado na primeira vinda de Cristo, mas aguarda sua consumação gloriosa e visível na segunda.

Herman Bavinck, em sua Dogmática Reformada, reforça que a renovação escatológica envolve a libertação física da criação da vaidade e da corrupção (Romanos 8:19-22). "Tudo depende da ressurreição física de Cristo", afirma Bavinck, pois ela é o penhor da restauração física do cosmos.4

O preterismo colapsa o "ainda não" quase inteiramente no passado. Se o "novo céu e nova terra" (Ap 21) são apenas a era atual da igreja (como alegam muitos preteristas totais e alguns parciais), então a promessa divina de que "não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor" (Ap 21:4) é manifestamente falsa diante da realidade brutal do sofrimento humano, das alas de oncologia e dos cemitérios que continuam a encher.

Como Cornelis Venema critica agudamente, o preterismo torna o livro do Apocalipse "largamente irrelevante para as lutas presentes da igreja ou sua expectativa para o cumprimento futuro das promessas de Deus".5 A morte, o "último inimigo" (1 Cor 15:26), ainda reina fisicamente no mundo, provando empiricamente que a consumação não ocorreu em 70 d.C. A vitória de 70 d.C. (se houve alguma) foi incompleta; a vitória cristã aguardada é total.


V. Fidelidade Confessional: O Veredito dos Padrões Reformados

Para o cristão reformado, a interpretação bíblica não ocorre no vácuo do individualismo moderno, mas em comunhão com a fé histórica expressa nas Confissões que sistematizam o ensino bíblico. O preterismo, em suas variantes, encontra-se em rota de colisão direta com os documentos simbólicos da Reforma.

5.1. A Confissão de Fé de Westminster

O Capítulo 33 da Confissão de Fé de Westminster, "Do Juízo Final", é explícito:

"Deus determinou um dia em que há de julgar o mundo com justiça por meio de Jesus Cristo... Nesse dia, não só os anjos apóstatas serão julgados, mas também todos os homens que tiverem vivido sobre a terra comparecerão ante o tribunal de Cristo para darem conta de seus pensamentos, palavras e obras".

A Confissão descreve este evento como:

1.     Universal: Envolve "todos os homens que tiverem vivido sobre a terra", não apenas a nação judaica do primeiro século.

2.     Cósmico: Envolve o julgamento dos "anjos apóstatas" (cf. Judas 6; 2 Pedro 2:4).

3.     Definitivo: Resulta em estados eternos imutáveis.

O preterismo, ao localizar o "dia do juízo" na destruição local de Jerusalém, falha miseravelmente em satisfazer a universalidade exigida pela Confissão e pelas Escrituras. O juízo de 70 d.C. não julgou os habitantes da China, das Américas ou da Europa daquela época, nem os anjos caídos foram lançados no lago de fogo naquele momento histórico.

5.2. A Confissão Belga

O Artigo 37 da Confissão Belga é ainda mais detalhado e contundente contra qualquer espiritualização da vinda de Cristo:

"Cremos que [...] nosso Senhor Jesus Cristo virá do céu, corporal e visivelmente, assim como subiu, com grande glória e majestade, para se declarar juiz dos vivos e dos mortos. Ele incendiará este velho mundo, em fogo e chamas, para purificá-lo.".

A ênfase em "corporal e visivelmente, assim como subiu" é uma âncora exegética baseada em Atos 1:11 ("esse Jesus... virá do modo como o vistes subir"). Preteristas que defendem um retorno "espiritual", "invisível" ou "em julgamento através dos exércitos romanos" contradizem diretamente a instrução confessional (e bíblica) de que a vinda será somática (do corpo físico de Jesus).

Além disso, a Confissão liga este evento indissoluvelmente à ressurreição física: "todos os mortos ressuscitarão da terra, e as suas almas serão reunidas e unidas aos seus próprios corpos em que viveram". A expressão "próprios corpos" (propria corpora) refuta qualquer noção de que a ressurreição seja a troca do corpo físico por um corpo "espiritual" desencarnado, como sugerem os hiper-preteristas.

5.3. O Catecismo de Heidelberg

O Dia do Senhor 19 do Catecismo de Heidelberg pergunta: "De que maneira a assentada de Cristo à direita de Deus lhe traz benefício?". A resposta aponta para o futuro: "dali [do céu] há de vir para julgar os vivos e os mortos". O benefício da vinda é a libertação final de toda tristeza e perseguição, algo que a Igreja em 70 d.C. não experimentou plenamente, visto que as perseguições romanas continuaram por séculos.


Conclusão: Rejeitando o Beco Sem Saída e Abraçando a Esperança Viva

A análise exegética, histórica e teológica conduzida através das lentes de autores reformados consagrados revela que o preterismo representa uma redução inaceitável e perigosa da escatologia bíblica.

1.     Falha Exegética: O preterismo impõe um significado artificial e limitado a "esta geração" e aos sinais cósmicos de Mateus 24, ignorando as opções exegéticas mais robustas (como "raça" ou "geração qualitativa") e a natureza global da Parousia descrita como relâmpago visível universalmente.

2.     Falha Histórica: Baseia-se em uma datação precoce do Apocalipse (pré-70 d.C.) que é refutada pelo testemunho unânime e venerável da igreja primitiva (Irineu) e pela evidência interna do próprio livro. Depende de mitos pagãos (Nero Redivivus) para sustentar sua identificação da Besta.

3.     Falha Teológica e Soteriológica: O preterismo total destrói a esperança da ressurreição corporal, cortando o vínculo vital entre a ressurreição de Cristo e a dos crentes, reduzindo o Evangelho a uma libertação gnóstica da alma. O preterismo parcial, embora tente evitar isso, utiliza uma hermenêutica de "vinda invisível" em Mateus 24 que enfraquece a defesa da vinda visível em outras passagens.

4.     Falha Confessional: Contradiz os padrões de fé reformados (Westminster, Belga, Heidelberg) que exigem uma Segunda Vinda visível, corporal, um Juízo Universal de homens e anjos, e uma renovação física do cosmos.

Como alerta o professor Randall Price, o preterismo é um "beco sem saída profético".1 A Igreja reformada, mantendo-se fiel às Escrituras Sola Scriptura e à tradição apostólica, confessa que a história não termina com a destruição de um templo feito por mãos humanas em Jerusalém. A história avança inexoravelmente em direção ao dia glorioso, terrível e magnífico em que o próprio Senhor descerá do céu, a morte será tragada pela vitória, os corpos dos santos serão levantados incorruptíveis e Deus será tudo em todos. Até esse dia, a Igreja ora com o Espírito e a Noiva: "Maranata! Ora vem, Senhor Jesus".

Tabela Comparativa: Visão Reformada (Amilenismo) x Visão Preterista

 

Tópico Teológico

Visão Reformada Clássica (Amilenismo)

Visão Preterista (Parcial e Plena)

O Milênio (Ap 20)

É a era atual da igreja (entre a 1ª e a 2ª vinda). É o reinado espiritual de Cristo agora.

Parcial: Iniciou na destruição de Jerusalém ou na ascensão, tendendo a um crescimento progressivo (Pós-milenismo).



Pleno: Já ocorreu e terminou em 70 d.C.

A Grande Tribulação

Uma realidade recorrente na história da igreja ("no mundo tereis aflições"), podendo se intensificar no fim.

Um evento histórico específico e passado, restrito ao cerco romano de Jerusalém (66-70 d.C.) [5].

O Anticristo

Uma figura ou princípio escatológico final que surgirá antes do retorno de Cristo (muitas vezes associado ao "homem da iniquidade").

Geralmente identificado exclusivamente como o Imperador Nero (cujo nome somaria 666).

O Foco da Profecia

A Igreja Universal e o desfecho cósmico da história.

A nação de Israel étnica e o fim da Antiga Aliança (Judaísmo).

Israel

A Igreja é o "Israel de Deus"; as promessas se cumprem espiritualmente em Cristo.

O foco é o julgamento de Israel étnico em 70 d.C. como o "fim da era".

A Volta de Cristo

Um evento futuro, físico, visível e glorioso que encerra a história.

Parcial: Futura e física.



Pleno (Heresia): Passada (70 d.C.) e invisível ("vinda em julgamento").

 

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