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Por que a "Justiça Social" moderna é Incompatível com o Evangelho

 


O debate sobre "Justiça Social" tem ganhado força significativa nos círculos evangélicos, gerando profunda preocupação entre muitos teólogos e pastores. Muitos cristãos, ao ouvirem o termo, supõem que ele é sinônimo de "justiça bíblica". Contudo, conforme alerta John Stonestreet, "não é bom ter o mesmo vocabulário se estamos usando dicionários diferentes".

Embora a busca pela justiça seja um mandato bíblico inegável, a vertente moderna e ideológica da "Justiça Social" é vista por muitos como um "cavalo de Troia" que importa pressupostos seculares e antibíblicos para dentro da Igreja. Trata-se de uma visão de mundo completa, radicada em pressupostos marxistas e pós-modernos, que compete diretamente com a cosmovisão bíblica.

Autores reformados alertam que essa ideologia, longe de ser um complemento, representa uma ameaça direta ao Evangelho. O documento "Uma Declaração sobre a Justiça Social e o Evangelho" (doravante, "a Declaração") nota com preocupação que "valores emprestados da cultura secular estejam atualmente comprometendo a Escritura em questões relacionadas a raça e etnia, masculinidade e feminilidade, e sexualidade humana".

Iremos analisar, com base em fontes reformadas, por que a chamada "Justiça Social" ideológica é considerada incompatível com o Evangelho bíblico, distorcendo doutrinas fundamentais sobre a Escritura, a identidade humana, o pecado, o Evangelho e a missão da Igreja.


1. O Padrão: O que é a Justiça Bíblica?

Antes de analisar a "justiça social" ideológica, deve-se estabelecer o padrão bíblico. A justiça bíblica é muito mais do que um conjunto de regras; ela define o padrão moral de Deus e o relacionamento correto com Ele e com os outros.

  • Fundamento Divino: Existe apenas a justiça verdadeira, definida pelo próprio Deus. Ela está resumida nos Dez Mandamentos e nos dois grandes mandamentos.
  • Relacionamento Correto: O pastor Tim Keller explica que a justiça bíblica refere-se a "uma vida de relacionamentos corretos". Miqueias 6:8 resume isso: "que pratiques a justiça, ames a misericórdia e andes em humildade com o teu Deus".
  • Imparcialidade: Um pilar da justiça bíblica é a imparcialidade, representada pela "venda nos olhos". A Escritura condena explicitamente a parcialidade, seja ao rico ou ao pobre:

“Não cometerás injustiça no juízo; nem favorecendo o pobre, nem compadecendo-se do grande...” (Êxodo 23:3, citado por MacArthur).

“Não serás parcial para com o pobre, nem favorecerás o poderoso; mas com justiça julgarás o teu próximo.” (Levítico 19:15).

  • Duas Dimensões: Scott Allen descreve duas dimensões da justiça bíblica:

1.    Justiça Comunitária: "Viver em relacionamento correto com Deus e com os outros", tratando as pessoas como portadoras da imagem de Deus.

2.    Justiça Distributiva (ou Retributiva): "A emissão imparcial de juízo, correção de transgressões e distribuição de penalidade pela violação da lei".

2. A Ideologia: O que é a "Justiça Social" Moderna?

Em contraste direto com o padrão bíblico, a "justiça social" ideológica é um sistema de pensamento concorrente com suas próprias origens, objetivos e ferramentas.

  • Raízes Filosóficas: Os críticos associam diretamente a "justiça social" moderna a pressupostos marxistas. Ela é vista como fruto da influência de Karl Marx e Friedrich Engels. John MacArthur é específico, afirmando que sua retórica está "profundamente enraizada no marxismo gramsciano". Scott Allen a conecta ao neomarxismo e à Escola de Frankfurt, chamando-os de "retalhos do mesmo tecido ideológico".
  • Ferramentas: Essa ideologia opera através de lentes seculares como a Teoria Crítica (incluindo a Teoria Crítica de Raça), a Interseccionalidade e o feminismo radical.
  • O Objetivo (Igualdade de Resultado): Diferente da justiça bíblica, que busca tratamento justo e imparcial (equidade), a "justiça social" ideológica foca na "igualdade de resultado". Seu objetivo é a "desconstrução dos sistemas e estruturas tradicionais tidas como opressoras e redistribuição de poder e de recursos dos opressores para suas vítimas".

3. Cosmovisão em Conflito: Doutrinas Bíblicas Corrompidas

A maior preocupação dos autores reformados é como essa ideologia funciona como uma "religião pós-moderna" que distorce doutrinas centrais da fé.

Sobre a Identidade Humana (Antropologia)

  • Visão Bíblica: A cosmovisão bíblica afirma que todos os seres humanos são criados igualmente à imagem de Deus (Imago Dei), possuindo "inestimável valor e dignidade". Nossa identidade fundamental é de "filhos de Deus". Em Cristo, a identidade transcende as afiliações de grupo: "Não há judeu nem grego... porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gálatas 3:28).
  • Visão Ideológica: A "justiça social" ideológica nega a existência do indivíduo como unidade primária. Em vez disso, a identidade é "totalmente determinada pela afiliação a grupos" (raça, classe, gênero, sexualidade). Somos "filhos da sociedade", e os indivíduos são vistos como meros "avatares" ou "porta-vozes" de seus grupos de identidade.

Sobre o Problema Fundamental (Pecado)

  • Visão Bíblica: O problema fundamental é o pecado, uma rebelião interna no coração de todo ser humano. A culpa é universal ("pois todos pecaram") e a responsabilidade é primariamente individual.
  • Visão Ideológica: O problema fundamental é a opressão, uma dinâmica de poder externa e sistêmica. O mundo é dividido em uma luta de poder de soma zero entre "opressores" (definidos por privilégio) e "vítimas" (definidos pela marginalização). A culpa não é individual, mas coletiva, atribuída a grupos com base em raça, gênero ou classe (ex: "branquitude", "patriarcado").

Sobre a Solução (Evangelho e Salvação)

  • Visão Bíblica: A solução é a Salvação pela graça, através da fé na obra expiatória de Jesus Cristo. É uma transformação interna, "de dentro para fora", que começa com a regeneração do coração. As implicações sociais (como viver de maneira justa) são frutos do Evangelho, mas não são o Evangelho.
  • Visão Ideológica: A solução é o ativismo e a revolução social. A salvação é alcançada através do "despertar" ("woke") para as estruturas de opressão e, em seguida, engajar-se na luta para desmantelá-las e redistribuir o poder. Como D.A. Carson adverte, "pregar o dever moral [justiça social] sem o poder subjacente do Evangelho é um moralismo... patético e impotente".

Sobre a Missão da Igreja (Eclesiologia)

  • Visão Bíblica: A "missão principal da igreja" é espiritual: adorar a Deus, pregar a Palavra, ensinar a sã doutrina, administrar os sacramentos e "evangelizando os perdidos". O ativismo político e social não deve ser "visto como componente integral do evangelho ou primário da missão da igreja".
  • Visão Ideológica: A missão da igreja é o ativismo político e social. Isso ecoa o "Evangelho Social" do início do século XX, que John MacArthur adverte ser uma tentativa de "ampliar o escopo do evangelho" que acaba por fazê-lo "perder sua verdadeira mensagem". O resultado é que o evangelho passa para segundo plano. A pior miséria do homem — a miséria da alma — é ignorada em favor de soluções temporais.

Conclusão: Um Chamado ao Discernimento

Para os autores da tradição reformada, a "justiça social" ideológica não é uma aliada do Evangelho, mas uma "ideologia sucedânea", uma adversária que oferece um falso evangelho. Ela promove o que MacArthur identifica como obras da carne — "ressentimentos", "inveja, contenda, ciúmes" — ao passo que o Evangelho produz o fruto do Espírito: "amor, alegria, paz, paciência".

O cristianismo autêntico sempre resultará em atos de misericórdia e cuidado com os vulneráveis, mas estes são uma consequência da transformação pelo Evangelho, não a sua substituição.

O movimento por "justiça social" é frequentemente atraente porque se disfarça de uma busca por justiça, parecendo lutar por causas nobres. No entanto, seus projetos estão carregados de pressupostos marxistas disfarçados, tentando enganar, especialmente os jovens, para entrarem em lutas como o antirracismo através de movimentos como o Black Lives Matter — que foi fundado por líderes com ideologia neomarxista — ou para lutarem pela igualdade de gênero nos moldes do feminismo radical e pelos direitos LGBTQ+.

O objetivo final desses movimentos não é a libertação genuína, mas sim recrutar adeptos para uma cosmovisão esquerdista e anticristã que compete com o Evangelho. A maior e mais verdadeira justiça é a conversão de uma vida a Cristo, pois nela a pessoa é liberta de todo erro através de uma mudança que é primeiramente interna, no coração. O verdadeiro cristão, transformado pelo Evangelho, já repudia o racismo como pecado, busca o bem de todos, não deseja o mal a ninguém da comunidade LGBT, mas aponta o erro do comportamento sexual fora do padrão bíblico, e defende a dignidade e o valor inestimável das mulheres, criadas à imagem de Deus.

Enquanto a "justiça social" ideológica exige uma mudança fragmentada, focada em temas e grupos de identidade opressores e oprimidos, o Evangelho é mais eficaz porque muda o indivíduo por completo, de dentro para fora, o que resulta na verdadeira transformação pessoal e social.

A Igreja é chamada a resistir ao "cativeiro cultural" e a obedecer à advertência do apóstolo Paulo: "Tende cuidado para que ninguém vos tome por presa, por meio de filosofias e sutilezas vazias, segundo a tradição dos homens, conforme os espíritos elementares do mundo, e não de acordo com Cristo" (Colossenses 2:8).

Como resumiu Richard Niebuhr: "O evangelho nunca é o hóspede de qualquer cultura; sempre é o seu juiz e redentor".

 

Referências Bibliográficas

  • Allen, Scott David. Por que a justiça social não é a justiça bíblica: Um apelo urgente aos cristãos em tempos de crise social. Vida Nova.
  • "A Injustiça da Justiça Social". MacArthur, John.
  • Uma Declaração sobre a Justiça Social e o Evangelho.

 

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