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A Salvação de Adão e Eva: Evidências Bíblicas e Teológicas na Tradição Reformada

 


A questão sobre o destino eterno dos primeiros pais da humanidade, Adão e Eva, é uma das mais profundas e intrigantes da teologia cristã. Foram eles, que introduziram o pecado e a morte no mundo, também os primeiros a receberem a graça salvadora de Deus? A tradição reformada, com base em uma leitura atenta das Escrituras, argumenta que sim. Longe de serem apenas os protagonistas da Queda, Adão e Eva se tornaram os primeiros destinatários do Evangelho, respondendo com uma fé que, embora vacilante, foi genuína e salvadora. Este artigo explorará as evidências bíblicas e os comentários de teólogos reformados que sustentam a crença na salvação de Adão e Eva.

O Protoevangelho: A Primeira Promessa da Graça (Gênesis 3:15)

Imediatamente após a confissão do pecado, antes mesmo de pronunciar a totalidade das sentenças, Deus se dirige à serpente e proclama o que é conhecido como o Protoevangelho, a primeira pregação do Evangelho.

"Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar." (Gênesis 3:15)

Neste versículo, Deus não apenas anuncia um conflito, mas promete uma vitória. O teólogo Herman Bavinck destaca a natureza graciosa desta declaração. Deus, por sua própria iniciativa, anula a aliança que a humanidade havia feito com o mal e a traz de volta para o seu lado. Bavinck afirma que Deus "graciosamente anula essa aliança, coloca inimizade entre a semente da serpente e a semente da mulher, traz a semente da mulher – isto é, a humanidade – de volta para o seu lado".

Esta promessa foi o fundamento da esperança. O teólogo anabatista Dirk Philips, cuja visão se alinha com a interpretação reformada neste ponto, chama este momento de "a primeira restauração", onde a igreja caída de Deus é reedificada "pela promessa daquela futura semente da mulher, que esmagaria a cabeça da serpente". Ele conclui que foi por meio desta pregação que "Adão e Eva foram novamente estabelecidos e novamente receberam a imagem perdida de Deus". A salvação deles, portanto, não foi um pensamento tardio, mas o primeiríssimo ato de Deus na história da redenção pós-Queda.

O Cuidado Paternal de Deus: As Túnicas de Pele (Gênesis 3:21)

A segunda grande evidência do cuidado redentor de Deus é encontrada em Sua ação imediata para cobrir a vergonha de Adão e Eva. Suas próprias tentativas, com folhas de figueira, eram frágeis e insuficientes. A Escritura relata:

"Fez o SENHOR Deus vestimentas de peles para Adão e sua mulher e os vestiu." (Gênesis 3:21)

Este ato simples está carregado de significado teológico. Como aponta Bruce K. Waltke, a cobertura de Deus era superior à do homem e, mais importante, "descreve a imagem do terno cuidado de Deus pelo casal. Por meio de seu sacrifício, ele restaura o casal alienado à comunhão com ele e entre si".

A necessidade de peles implica a morte de um animal — o primeiro sacrifício de sangue na Bíblia. Este ato prefigura o sacrifício supremo de Cristo, o "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (João 1:29). Michael Horton observa que Deus mesmo "sacrificou um animal para prover pele aos caídos Adão e Eva a fim de cobrirem sua nudez (Gn 3.21) e prometeu um sacrifício final pelos pecados, do qual este sacrifício animal era meramente um tipo (3.15)". Ao vesti-los, Deus não estava apenas cobrindo sua nudez física, mas simbolicamente aplicando a justiça que viria através de um substituto. Angus Stewart reforça que a igreja tradicionalmente tem visto essas "túnicas de pele" como "vestimentas da salvação".

A Resposta da Fé: O Nome de Eva (Gênesis 3:20)

Talvez a evidência mais clara da fé pessoal de Adão e, por extensão, de Eva, seja sua resposta à promessa de Deus. Após ouvir as duras sentenças, mas também a promessa do descendente vitorioso, a reação de Adão não é de desespero, mas de fé explícita.

"E deu o homem o nome de Eva a sua mulher, por ser a mãe de todos os seres humanos." (Gênesis 3:20)

Diante de uma sentença de morte ("tu és pó e ao pó tornarás"), Adão nomeia sua esposa "Eva", que significa "Vida" ou "doadora de vida". Este ato é uma notável profissão de fé. David Merkh o chama de "a evidência mais clara de que Adão tinha fé salvadora". Ele explica que, em vez de focar na morte, Adão "revela sua esperança de que a Semente dela traria o antídoto do veneno do pecado".

Os reformadores viram neste ato um sermão de fé. Johannes Brenz imaginou Adão confortando Eva, dizendo: "confortemos um ao outro com a promessa sobre o seu descendente... Como lembrete disso, coloco em você o nome de Eva... isto é, ‘vida’". Pedro Mártir Vermigli acrescenta que Adão "já tinha concebido a esperança de vida por meio de Cristo" e, por isso, nomeou sua esposa olhando para a misericórdia de Deus, e não para a condição de morte em que se encontravam. Herman Bavinck vai além e afirma categoricamente: "Essa fé lhe foi atribuída como justiça". A fé de Adão, expressa neste ato profético, foi a mesma fé que justificou Abraão e todos os crentes ao longo da história.

A Instituição da Aliança da Graça

A salvação de Adão e Eva se encaixa perfeitamente na estrutura da teologia pactual reformada. R.C. Sproul explica que, após a quebra da Aliança de Obras, Deus não abandonou a humanidade. Em vez disso, "Deus poupou Adão e Eva e os redimiu, apesar de seu fracasso, e Deus fez isso com base em uma nova promessa – a promessa de redenção pela obra de Cristo". Esta nova aliança, a Aliança da Graça, foi inaugurada precisamente neste momento em Gênesis 3. Adão e Eva foram salvos da mesma forma que todos os crentes: pela graça, mediante a fé na promessa de um Redentor.

André Willet, ao debater com o cardeal Belarmino, argumenta que, embora o pecado de Adão fosse "condenável por sua própria natureza, pela graça de Deus por meio de Cristo ele se tornou venial e perdoável para Adão". Ele questiona: "se Adão não tivesse fé remanescente, com que propósito Deus teria feito a promessa do Messias a um homem sem fé?". A própria existência da promessa pressupõe um recipiente capaz de crer.

Conclusão

As evidências textuais e teológicas, interpretadas ao longo de séculos pela tradição reformada, apontam fortemente para a salvação de Adão e Eva. Eles não foram apenas os causadores da tragédia humana, mas também os primeiros a ouvir e crer no Evangelho. A promessa de um Redentor (Gn 3:15), a provisão sacrificial de Deus para cobri-los (Gn 3:21) e a resposta de fé de Adão ao nomear Eva (Gn 3:20) formam um testemunho tríplice da graça soberana de Deus em ação desde o início.

Adão e Eva, portanto, representam toda a saga da redenção em miniatura. Eles caíram da inocência para o pecado, mas foram resgatados da morte para a vida pela promessa de Cristo. Como conclui Angus Stewart, "nós, e todos do povo de Deus em todas as épocas, somos salvos da mesma forma que os nossos primeiros pais". A história deles é a nossa história: uma história de ruína pelo pecado e de restauração pela maravilhosa e imerecida graça de Deus.


 

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