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A Eleição Soberana: Uma Defesa da Escolha Individual contra a Noção de Eleição Corporativa Abstrata

 


A Eleição Soberana: Uma Defesa da Escolha Individual contra a Noção de Eleição Corporativa Abstrata

A doutrina da eleição é uma das mais profundas e, para muitos, controversas de toda a Escritura. No centro do debate teológico está uma questão fundamental: a escolha de Deus para a salvação é primariamente corporativa, selecionando um grupo abstrato chamado "Igreja", ou é uma escolha soberana e específica de indivíduos para compor este corpo? Enquanto a visão de uma eleição corporativa abstrata — na qual Deus elege um "barco" (a Igreja em Cristo) mas não os indivíduos que entrarão nele — ganhou popularidade, uma análise cuidadosa das Escrituras, especialmente de Romanos 9, revela que a eleição divina é, em sua essência, pessoal e individual, ainda que resulte na formação de um povo, a Igreja invisível.

Este artigo defenderá que a Bíblia ensina a eleição individual para a salvação, refutando a ideia de que Deus elege apenas um grupo impessoal. Argumentaremos, com base nos textos sagrados e na rica tradição da teologia reformada, que a escolha de Deus é pessoal, graciosa e soberana, sendo a fé o fruto e não a causa dessa eleição.

O Ensino da Escritura: Do Povo aos Indivíduos

O Antigo Testamento está repleto de exemplos da eleição de Deus sobre coletividades, como a escolha de Abraão e sua descendência (Neemias 9:7) e da nação de Israel (Deuteronômio 4:37). O teólogo Herman Bavinck nota como a história da redenção se desenrola através de um princípio eletivo: a linhagem de Sete é separada da de Caim; Noé é escolhido; Abraão é chamado dentre os descendentes de Sem; Isaque é preferido a Ismael; e Jacó é amado, enquanto Esaú é odiado. Contudo, Bavinck ressalta uma progressão: "Assim como o Novo Testamento afirma o caráter eterno da eleição divina mais claramente do que o Antigo, assim também ele interpreta a eleição mais em termos individuais e pessoais" [2].

No Novo Testamento, o foco se intensifica sobre as "certas pessoas específicas" que são escolhidas em Cristo e juntas formam o Seu corpo (Efésios 1:4). Elas são chamadas de "os eleitos" (Mateus 24:31, Romanos 8:33, Tito 1:1), e seus nomes estão inscritos no Livro da Vida (Lucas 10:20, Filipenses 4:3, Apocalipse 13:8). O propósito dessa eleição, como Paulo deixa claro, é a salvação e a vida eterna (2 Tessalonicenses 2:13, Atos 13:48).

O Coração da Questão: A Exegese de Romanos 9

Nenhum texto é mais central para este debate do que Romanos 9. A tentativa de interpretar este capítulo como uma referência exclusiva à eleição de nações (Israel e Edom) em vez de indivíduos (Jacó e Esaú) falha ao ignorar o contexto, a linguagem e o propósito do apóstolo Paulo.

O Rev. Augustus Nicodemus Lopes e o teólogo Michael Patton oferecem argumentos contundentes que demonstram o caráter individual da eleição em Romanos 9:

1.    O Contexto é a Segurança Individual: Paulo inicia o capítulo expressando sua angústia pela incredulidade de Israel, o que levanta a questão da fidelidade da promessa de Deus. A discussão em Romanos 8 culmina na certeza de que nada "poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Romanos 8:39). A pergunta subjacente de Romanos 9 é: "Se a promessa parece ter falhado com Israel, como podemos, como indivíduos, estar seguros?" Uma resposta sobre eleição de nações não resolveria a angústia sobre a segurança pessoal [9]. A resposta de Paulo é que a promessa nunca foi para todos os descendentes físicos, mas para os "filhos da promessa" (Romanos 9:8), um remanescente eleito de dentro da nação.

2.    O Foco em Indivíduos Nomeados: Paulo não fala em termos abstratos. Ele usa exemplos concretos e nominais: Isaque sobre Ismael, e crucialmente, Jacó sobre Esaú. A base de seu argumento é a escolha de uma pessoa sobre outra. Como afirma R. C. Sproul, "Paulo discute especificamente a escolha de um indivíduo sobre o outro, Jacó sobre Esaú. A referência aos indivíduos não pode ser ignorada" [9].

3.    A Escolha é Incondicional: O argumento de Paulo atinge seu clímax no versículo 11: "E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama)". Esta condição temporal — "antes de nascerem" — só pode se aplicar a indivíduos. As nações de Israel e Edom já tinham uma longa história. O ponto de Paulo é que a base da escolha não reside em qualquer mérito ou ação do escolhido, mas unicamente na vontade soberana de "aquele que chama".

4.    A Linguagem Aponta para Indivíduos: Como bem observa Patton, a linguagem paulina é consistentemente singular. Em Romanos 9:15, Deus diz: "Terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia", e no versículo 16, a conclusão é que "não depende de quem quer ou de quem corre". Os pronomes e particípios no grego são singulares, referindo-se a indivíduos, não a coletividades [Patton, em Ruy Marinho].

5.    As Objeções Pressupõem a Eleição Individual: As objeções que Paulo antecipa — "Há injustiça da parte de Deus?" (v. 14) e "De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade?" (v. 19) — só fazem sentido no contexto de uma eleição individual e incondicional para salvação ou perdição. Se a eleição fosse meramente para um papel histórico nacional ou baseada na fé prevista do homem, a acusação de injustiça seria facilmente refutada. A resposta de Paulo, no entanto, não é negar a premissa, mas afirmar a soberania absoluta de Deus como o Oleiro que tem direito sobre o barro para fazer "um vaso para honra e outro, para desonra" (Romanos 9:21).

O comentarista John Murray reforça que, embora a escolha de Jacó tenha tido consequências para a nação de Israel, a análise de Paulo foca na diferenciação que "afeta os indivíduos Jacó e Esaú" como a raiz da questão. O amor e o ódio de Deus mencionados (v. 13) se referem a uma "vontade soberana" que determina os destinos finais, e não apenas papéis históricos [5].

Desconstruindo a Eleição Corporativa Abstrata

A teoria da eleição corporativa afirma que Deus escolheu a Igreja como uma entidade, mas não os indivíduos que a compõem. Michael Horton critica essa visão, afirmando que "é falha não pelo que afirma, mas pelo que nega". É verdade que Deus escolheu um corpo, mas a Escritura ensina que Ele o fez escolhendo seus membros [Horton].

O teólogo Thomas Schreiner oferece uma analogia útil:

"Suponha que você diga: 'Eu vou escolher comprar um time de baseball profissional.' Isto faz sentido se você então compra o Minnesota Twins ou o Los Angeles Dodgers. Mas se você faz isto, você escolhe os membros daquele time específico sobre outros jogadores individuais... Não faz sentido dizer: 'Eu vou comprar um time de baseball profissional' que não tem membros... No último caso, você não escolheu um time. Você tem escolhido que haja um time, a composição do que está totalmente fora do seu controle."

Aplicando a analogia, escolher a Igreja implica necessariamente escolher os indivíduos que a formam. A onisciência de Deus torna a ideia de uma escolha "abstrata" ainda mais insustentável. Como argumenta R. K. McGregor Wright, Deus não pode escolher um grupo futuro sem conhecer e, portanto, escolher cada indivíduo que o comporá. Para Deus, não há distinção entre a ideia do grupo e os seus membros constituintes [8].

Além disso, as bênçãos ligadas à eleição são inegavelmente individuais. Em Efésios 1, Paulo diz que Deus "nos predestinou para a adoção de filhos" (v. 5), que "temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados" (v. 7), e que fomos "selados com o Espírito Santo da promessa" (v. 13). Ninguém argumentaria que a adoção, o perdão ou o selo do Espírito são apenas corporativos. São realidades experimentadas pessoalmente por cada crente. Se estas bênçãos são individuais, por que a predestinação da qual elas fluem seria meramente corporativa?

A Fé: O Fruto, Não a Raiz da Eleição

A eleição corporativa é frequentemente um refúgio para a ideia de que a escolha de Deus se baseia em Sua presciência da fé de uma pessoa. No entanto, a Escritura apresenta a fé como o efeito, não a causa, da eleição.

·      Atos 13:48: "...e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna." A fé segue a ordenação para a vida.

·      Efésios 1:4: "assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele". A santidade é o objetivo da eleição, não sua pré-condição.

·      2 Timóteo 1:9: Deus "nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos".

O teólogo Francis Turretini argumenta que se a eleição se baseasse na fé prevista, a salvação dependeria "daquele que quer e que corre", contradizendo diretamente Romanos 9:16. Além disso, faria do homem o arquiteto de sua própria salvação, uma noção que Paulo combate veementemente (1 Coríntios 4:7) [7].

Conclusão

A doutrina bíblica da eleição, embora misteriosa, é uma fonte de profundo conforto e adoração. Ela nos ensina que nossa salvação não repousa em nossa frágil vontade ou em nossas obras falhas, mas no propósito imutável de um Deus soberano e gracioso. A tentativa de diluir esta verdade em uma eleição corporativa abstrata, que nega a escolha pessoal de Deus, não se sustenta diante do peso da evidência exegética, particularmente em Romanos 9.

Deus, de fato, elegeu um povo, a Igreja. Mas Ele o fez não por escolher um conceito vago, mas por escolher soberanamente, em Cristo, cada indivíduo que formaria este corpo. A eleição é individual em sua aplicação, mas corporativa em seu resultado. Jacó foi amado, Faraó foi endurecido, e Lídia teve seu coração aberto (Atos 16:14) por um decreto divino que é pessoal e eficaz. É por isso que a salvação é inteiramente pela graça, para que, como diz a Escritura, "ninguém se vanglorie na presença de Deus" (1 Coríntios 1:29). Diante de tal verdade, a única resposta apropriada é a de Paulo:

"Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!" (Romanos 11:33-36).


Referências Bibliográficas

[1] Felipe Sabino de Araújo Neto. “Eleitos, Mas Livres?”. In A Sistemática Da Vida: Ensaios Em Honra a Heber Carlos de Campos, editado por Felipe Sabino de Araújo Neto. 1a edição. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2015.

[2] Bavinck, Herman. Deus e a Criação. Organizado por John Bolt, traduzido por Vagner Barbosa. Vol. 2 de Dogmática Reformada. 1a edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012.

[3] Horton, Michael. "Corporate Election?".

[4] Kaschel, Werner, e Rudi Zimmer. Dicionário da Bíblia de Almeida. 2a ed. Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

[5] Martins, Yago. O Cristão Reformado: Uma Introdução Bíblica Aos Pilares Do Protestantismo. 3a ed. Fortaleza: Dois Dedos de Teologia, 2022.

[6] Murray, John. Romanos: Comentário Bíblico. Editado por Tiago J. Santos Filho, traduzido por João Bentes. 2a Edição. São José dos Campos, SP: Editora FIEL, 2016.

[7] Nicodemus Lopes, Augustus. "Comentário sobre Romanos 9 - A Eleição é de Indivíduos ou de Nações?". Citado em material fornecido pelo usuário.

[8] Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Romanos. Traduzido por Heloisa Cavallari, Márcio Santana Sobrinho, e Mary Lane. 1a edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011.

[9] Turretini, François. Compêndio de Teologia Apologética. Organizado por Odayr Olivetti, Denice Ceron, e Paulo Arantes. Vol. 1. 1a edição. Cambuci; São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2010.

[10] Wright, R. K. McGregor. A Soberania Banida: Redenção para a Cultura Pós-Moderna. Traduzido por Héber Carlos de Campos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006.

 

Perguntas sobre a Exegese de Romanos 9:

1.    Se a eleição em Romanos 9 é apenas sobre nações, por que Paulo fundamenta seu argumento na escolha de indivíduos nominais — Jacó e Esaú — antes de eles nascerem e "praticarem o bem ou o mal" (v. 11), um critério que só se aplica a pessoas e não a nações com longas histórias?

2.    Como a objeção "Há injustiça da parte de Deus?" (v. 14) faria sentido se a eleição fosse apenas um convite a um grupo, onde a entrada depende da escolha humana? A acusação de injustiça não se torna poderosa justamente porque a escolha divina é incondicional e individual?

3.    Ao responder à objeção, por que Paulo não esclarece que a escolha é corporativa e condicionada à fé? Em vez disso, por que ele apela para a soberania absoluta do Oleiro sobre o barro para fazer "vasos para honra e outros para desonra" (v. 21-23), uma imagem que descreve a determinação do destino final de indivíduos?

4.    Se a eleição é de nações ou grupos, como explicar Romanos 9:24, onde Paulo diz que os eleitos (os vasos de misericórdia) são chamados "não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios"? Isso não indica uma seleção de indivíduos de dentro de grupos, em vez da seleção dos grupos em si?

Perguntas sobre a Lógica da Escolha e a Natureza de Deus:

5.    Logicamente, como Deus pode "escolher a Igreja" sem escolher os indivíduos específicos que a compõem? Uma escolha de um grupo sem membros não é uma escolha real, mas apenas a criação de uma categoria vazia. Como isso se alinha com a onisciência de um Deus que conhece Suas ovelhas pelo nome (João 10:3)?

6.    Em Efésios 1, Paulo afirma que Deus "nos predestinou para a adoção de filhos" (v. 5) e que "temos a redenção" (v. 7). A adoção e a redenção são bênçãos aplicadas a indivíduos. Como a causa (predestinação) pode ser exclusivamente corporativa se os seus efeitos são inegavelmente individuais?

Perguntas sobre a Causa da Salvação:

7.    Como a visão da eleição corporativa explica Atos 13:48, que afirma que "creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna"? O texto não apresenta a fé como o resultado da destinação divina para a vida, em vez de ser a condição para entrar em um "grupo eleito"?

8.    Se a eleição é corporativa e a salvação individual depende da livre escolha do pecador para "entrar no grupo", quem é o autor final da distinção entre o salvo e o perdido? A glória pela salvação não é, em última análise, dividida entre a provisão de Deus e a decisão decisiva do homem, contrariando textos como 1 Coríntios 4:7 ("Pois, quem te faz diferente dos demais?") e Romanos 9:16 ("não depende de quem quer ou de quem corre")?

Perguntas Conclusivas e de Síntese:

10.                   Qual a diferença fundamental entre dizer "Deus elege para a salvação aqueles que Ele previu que creriam" (eleição condicional clássica) e "Deus elege um grupo de crentes em Cristo, e os indivíduos entram nesse grupo pela fé"? Ambas as visões não tornam a fé humana a base determinante para a salvação de um indivíduo, colocando a decisão final nas mãos do homem em vez de na misericórdia soberana de Deus?

Aprofundando a Exegese e os Termos Bíblicos:

11.                   A "corrente de ouro" da salvação em Romanos 8:29-30 descreve um processo inquebrável: "aos que de antemão conheceu, também os predestinou; e aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou". Se a predestinação é apenas corporativa, como essa cadeia pode ser inquebrável para cada indivíduo, visto que a entrada e a permanência no "grupo" dependeriam da vontade humana falível?

12.                   Como a doutrina da eleição corporativa se harmoniza com as múltiplas referências bíblicas ao "Livro da Vida", onde nomes individuais estão escritos "desde a fundação do mundo" (Apocalipse 13:8, 17:8)? Se Deus apenas escolheu a "capa do livro" (a Igreja), quem escreve os nomes dentro dele e com base em quê?

13.                   A palavra grega para "presciência" (prognosis) frequentemente denota um conhecimento íntimo e relacional, não apenas uma observação passiva (ex: Atos 2:23, 1 Pedro 1:20). Quando Romanos 8:29 diz "aos que de antemão conheceu", não estaria se referindo a um conhecimento afetivo e eletivo de pessoas, em vez de um mero conhecimento prévio de suas futuras escolhas?

14.                   Em 2 Timóteo 1:9, Paulo afirma que Deus nos salvou e chamou "não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação [propósito] e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos". Como uma graça pode ser dada a "nós" (indivíduos) antes da existência do tempo se a escolha de Deus não era pessoal?

Implicações Teológicas e Pastorais:

15.                   Qual é a base final da certeza da salvação na visão corporativa? Se minha salvação depende da minha contínua escolha de permanecer no "grupo eleito", a minha segurança não repousa em minha própria fidelidade em vez de na fidelidade de Deus que "completará a boa obra que começou" em mim (Filipenses 1:6)?

16.                   Em Atos 18:10, Deus encoraja Paulo a pregar em Corinto dizendo: "tenho muito povo nesta cidade", mesmo antes de eles crerem. Como essa afirmação faz sentido se Deus não tivesse em mente indivíduos eleitos específicos a serem salvos através da pregação de Paulo?

17.                   Como a visão corporativa interpreta a conversão de pessoas como Lídia, de quem Lucas diz: "o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia" (Atos 16:14)? Esta não é uma descrição clara de uma ação soberana e individual de Deus para levar uma pessoa específica à fé?

18.                   Se o amor eletivo de Deus em Romanos 9 é apenas para um papel histórico nacional, isso não diminui a profundidade do amor redentor de Deus? O amor que salva não é, por definição, um amor que faz uma distinção muito mais profunda e pessoal do que meramente um privilégio histórico?

Analisando as Analogias e a Lógica Interna:

19.                   A analogia popular diz que Deus elegeu o "barco salva-vidas" (Cristo/Igreja), e as pessoas devem escolher entrar nele. No entanto, a Bíblia descreve os pecadores como "mortos em seus delitos e pecados" (Efésios 2:1), incapazes de sequer se moverem em direção ao barco. A eleição individual não descreve melhor a ação de Deus, que não apenas provê o barco, mas também tira os mortos da água e os coloca dentro dele, dando-lhes vida?

20.                   A visão corporativa frequentemente afirma que indivíduos podem "sair" do grupo eleito. Se isso for verdade, como conciliar com as promessas de que as ovelhas de Cristo "jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão" (João 10:28)? A eleição corporativa não cria uma "porta giratória" em um corpo que a Escritura descreve como eternamente seguro?

21.                   Se Deus elege com base na fé que Ele vê o homem exercendo, a eleição de Deus não se torna uma "pós-destinação" — uma simples ratificação da escolha humana? O homem não se torna, efetivamente, aquele que se elege, e Deus aquele que é escolhido, em direta contradição com João 15:16 ("Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros")?

22.                   "Sabemos que em qualquer igreja local (a igreja visível) podem existir tanto crentes genuínos quanto pessoas não convertidas. Quando Paulo escreve a toda a igreja de Tessalônica e diz 'reconhecendo... a vossa eleição', ele enfrenta um dilema, segundo a visão corporativa:

Opção A: Ele está afirmando que cada membro daquela igreja é individualmente eleito? Isso seria pastoralmente imprudente e teologicamente improvável.

Opção B: Ele está falando de uma 'eleição corporativa' do grupo como um todo, mesmo sabendo que alguns ali não são salvos?

Se a opção B for a correta, qual o sentido pastoral de assegurar a um grupo sua 'eleição corporativa', se isso não oferece nenhuma segurança ou conforto real aos indivíduos que o compõem? A explicação mais simples e bíblica não seria que Paulo, por um juízo de caridade, se dirige aos crentes genuínos daquela igreja, cuja eleição individual se manifestou visivelmente para ele?"

23.   "Mateus 24:31 descreve uma operação em escala global: os anjos reunirão os escolhidos 'dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus'. Esta imagem retrata indivíduos espalhados por todo o mundo, não um único grupo já coeso.

A pergunta é: como essa tarefa de buscar e reunir pessoas específicas, uma a uma, de todos os cantos da Terra, se encaixa com a ideia de uma eleição meramente corporativa? A natureza dessa missão angelical não pressupõe que Deus já tenha uma lista definitiva e individual de 'seus escolhidos' para ser encontrada e reunida?"

24.            "A visão da eleição corporativa sugere que Deus elegeu um 'grupo' (a   Igreja),  e os indivíduos entram nesse grupo por meio de sua fé. No entanto, Atos 13:48 descreve um cenário diferente: um grupo de pessoas ouve o evangelho, e dentro desse grupo, um número específico de indivíduos crê porque já 'haviam sido destinados para a vida eterna'.

Como um ato de 'destinar' indivíduos para a vida eterna, que ocorre antes de sua fé, se encaixa em um modelo onde Deus apenas elege o 'grupo' e espera que os indivíduos escolham entrar? Este versículo não é um exemplo prático e narrativo da eleição individual em ação, mostrando exatamente como o decreto eterno de Deus se cumpre na história através da pregação do evangelho?"

          25.                   "Analisando os textos sobre o Livro da Vida, vemos um padrão claro:

·        Jesus se alegra porque os nomes dos discípulos estão arrolados nos céus (Lc 10:20).

·        Paulo menciona cooperadores específicos, como Clemente, 'cujos nomes se encontram no Livro da Vida' (Fp 4:3).

·        Em Apocalipse, a promessa é a cada vencedor individual de que 'de modo nenhum apagarei o seu nome' (Ap 3:5).

·        A entrada na Nova Jerusalém é exclusiva aos que estão 'inscritos no Livro' (Ap 21:27).

                 "A doutrina do Livro da Vida apresenta um desafio direto à eleição corporativa.           Vamos considerar as opções lógicas:

·        Opção A: Os nomes no livro são de indivíduos específicos, conhecidos e escolhidos por Deus. (Isso é eleição individual).

·        Opção B: O único 'nome' no livro é 'A Igreja' ou 'O Grupo de Crentes', e os indivíduos se associam a esse nome pela fé.

Se a Opção B for a correta, como explicar as passagens que falam de 'nomes' (no plural, como os cooperadores de Paulo) e da promessa de não apagar 'o seu nome' (no singular, a cada vencedor)? A metáfora do Livro da Vida não perde todo o seu significado de segurança pessoal e identidade celestial se não se referir a um registro divino e definitivo de indivíduos salvos?"

             26.                   No VT a bíblia é clara em dizer que Deus escolheu um grupo (Israel). Se a doutrina arminiana defende a salvação coorporativa, não seria de esperar a eleição de todo o grupo Israel? Se a eleição se refere a grupo porque falhou no VT já que nem todo israelita era eleito e salvo? 

           27.    "A visão da eleição corporativa parece criar um paradoxo quando confrontada com a onisciência de Deus. Por um lado, para preservar a 'livre escolha' humana, ela sugere que Deus não escolhe os indivíduos. Por outro lado, para preservar a onisciência, ela deve admitir que Deus sabe com certeza infalível quem são esses indivíduos.

A pergunta é: Como Deus pode simultaneamente não escolher um indivíduo e, ao mesmo tempo, saber com certeza absoluta que esse mesmo indivíduo fará parte do Seu povo eterno? Essa 'escolha de grupo' não se torna apenas um artifício de linguagem para evitar a conclusão de que o conhecimento prévio e infalível de Deus sobre quem será salvo é, para todos os efeitos, um decreto eletivo?"

           28.                   "A visão arminiana da eleição por presciência e a da eleição corporativa parecem oferecer explicações diferentes para a mesma doutrina. Qual delas é a primária?

·    Opção A: Deus prevê a fé de indivíduos específicos (Pedro, Maria, João) e, por causa disso, os elege para a salvação. Nesse caso, a 'Igreja eleita' é apenas o nome que damos ao conjunto desses indivíduos já eleitos, e a eleição fundamental é individual.

·    Opção B: Deus elege um 'plano' ou um 'grupo' abstrato definido pela fé em Cristo, e Sua presciência apenas observa quem entra nesse grupo, sem eleger os indivíduos.

Se a resposta for A, a 'eleição corporativa' perde seu significado como o ato eletivo principal. Se for B, como isso se reconcilia com a onisciência de Deus, que sabe exatamente quem são os indivíduos que cumprirão essa condição, tornando a não-escolha deles uma distinção artificial?"

 

VERSÍCULOS:

 

Gl 1.15–16 Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios, sem detença, não consultei carne e sangue,

Jr 1.5 Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações.

Ne 9.7 Tu és o Senhor, o Deus que elegeste Abrão, e o tiraste de Ur dos caldeus, e lhe puseste por nome Abraão.

Mt 24.31.E ele enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus.

At 13.48 Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna.

Lc 10.20 Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus.

Fp 4.3 A ti, fiel companheiro de jugo, também peço que as auxilies, pois juntas se esforçaram comigo no evangelho, também com Clemente e com os demais cooperadores meus, cujos nomes se encontram no Livro da Vida.

Ap 3.5 O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida; pelo contrário, confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos.

 

FRASES:

Certamente, a razão do ódio de Deus não está em Esaú pelo fato de ele ser pecador. Se assim fosse, ele haveria de odiar Jacó, porque este também era pecador (talvez tenha cometido atos pecaminosos piores que Esaú em sua vida) e, todavia, Deus o amou com amor de eleição.[1]

Você não tem como transformar Romanos 9 numa mera eleição nacional, na eleição de povos e não eleição de indivíduos, já que a base argumentativa de Paulo é a eleição de dois indivíduos antes de qualquer um dos dois fazer bem ou mal, conforme deixa claro o texto.[2]

 



[1] Felipe Sabino de Araújo Neto, “Eleitos, mas Livres?”, in A Sistemática da Vida: Ensaios em Honra a Heber Carlos de Campos, org. Felipe Sabino de Araújo Neto, 1a edição (Brasília, DF: Editora Monergismo, 2015), 264.

[2] Yago Martins, O Cristão Reformado: Uma Introdução Bíblica aos Pilares do Protestantismo, 3a ed. (Fortaleza: Dois Dedos de Teologia, 2022), 186–187.


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