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A Salvação de Crianças que Morrem na Infância: Uma Esperança Consoladora à Luz das Escrituras


Introdução: A Tensão entre o Pecado Original e a Graça Soberana

A salvação de qualquer pessoa é um ato da graça soberana de Deus. O ponto de partida bíblico e inegociável é que ninguém é inocente. Pelo pecado de Adão, "a morte passou a todos porque todos pecaram" (Romanos 5:12). Como afirma Augustus Nicodemus, "nossos filhos já nascem como parte dessa raça humana culpada, pecadora, manchada pelo pecado".¹ Portanto, a salvação de uma criança jamais pode ser por mérito ou inocência, mas unicamente pela redenção que há em Cristo Jesus.

Quando tratamos da salvação de crianças sem idade de discernimento (“idade da razão”), partimos do mesmo princípio: não são salvas por simplesmente serem crianças, mas, como todos os salvos, pela livre eleição divina e pela obra de Cristo. Sua morte expiatória alcança todos os eleitos — inclusive aqueles que falecem antes de alcançar capacidade moral de entendimento.

O teólogo Charles Hodge expressa essa visão com clareza:

"Cremos que todos os que morrem na infância são salvos. Isso não se deve à sua inocência ou ao seu direito ao céu, mas à infinita misericórdia de Deus, cuja graça é suficiente para salvá-los por meio dos méritos e da intercessão do Redentor."²

Desenvolvimento: Razões Bíblicas para a Esperança

A grande questão que ecoa nos corações é: "Todas as crianças que morrem na infância ou apenas algumas são salvas?". Embora as Escrituras não ofereçam um pronunciamento dogmático e exaustivo sobre o assunto, há fortes inferências bíblicas que nos permitem crer, com esperançosa confiança, que TODAS AS CRIANÇAS QUE MORREM ANTES DA IDADE DA RAZÃO SÃO ACOLHIDAS NA GLÓRIA.

1. A Condenação Está Ligada à Incredulidade Consciente

Em Marcos 16:16, Cristo diz: “Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado”. Este versículo estabelece a fé como o instrumento para a salvação e a incredulidade como a base para a condenação. O contexto é a pregação do Evangelho a pessoas com capacidade de ouvir, compreender e responder. Uma criança antes da idade da razão não possui a capacidade cognitiva ou moral para crer ou para rejeitar a Cristo de forma voluntária e consciente. Portanto, a segunda parte do versículo ("quem, porém, não crer será condenado") não se aplica a elas, pois a condenação ali descrita é para a rejeição ativa do Evangelho.

A Confissão de Fé de Westminster, um marco da teologia reformada, aborda isso com sabedoria em seu capítulo 10, seção 3:

"Os infantes eleitos, que morrem na infância, são regenerados e salvos por Cristo por meio do Espírito, que opera quando, onde e como lhe apraz. O mesmo se dá com todas as outras pessoas eleitas que são incapazes de serem exteriormente chamadas pelo ministério da Palavra."³

2. O Julgamento Divino é Baseado em Obras Pessoais

Apocalipse 20:12 declara: “E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que se achava escrito nos livros”. A Bíblia ensina que o julgamento final levará em conta as obras praticadas em vida. Embora a criança nasça sob a condenação do pecado original (Romanos 5:12), ela não cometeu atos de rebelião deliberada contra Deus. O julgamento descrito nas Escrituras é para aqueles que, tendo discernimento entre o bem e o mal, escolheram o mal. A própria Escritura reconhece um período de inocência moral, onde a criança ainda não tem essa capacidade de discernimento (Isaías 7:16, Deuteronômio 1:39).

3. As Crianças São o Padrão do Reino dos Céus

Em um dos momentos mais ternos de Seu ministério, Jesus oferece um vislumbre poderoso do coração de Deus para com os pequenos, declarando: “Deixai os pequeninos e não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus” (Mateus 19:14). Cristo não diz "de alguns tais", mas "dos tais", indicando que a categoria "crianças" (em sua dependência e humildade) caracteriza os cidadãos do Seu Reino. Ele as usa como o próprio modelo para a conversão (Mateus 18:3). Se as crianças são o padrão pelo qual os adultos devem se medir para entrar no Reino, seria incoerente pensar que elas mesmas seriam excluídas dele.

4. A Lógica da Inescusabilidade em Romanos

O apóstolo Paulo, em Romanos 1, argumenta que a humanidade é indesculpável porque, tendo o conhecimento de Deus revelado na criação, conscientemente o rejeitou (Romanos 1:20-21). A base da condenação aqui é a supressão deliberada da verdade conhecida. Uma criança que morre na infância não possui este "conhecimento de Deus" nem a capacidade de "glorificá-lo ou não". Portanto, a lógica que torna os adultos indesculpáveis simplesmente não se aplica a elas.

5. O Testemunho da Esperança de Davi

Após a morte de seu filho com Bate-Seba, a reação de Davi revela uma firme esperança: “Porém, agora que é morta, por que jejuaria eu? Poderei eu fazê-la voltar? Eu irei a ela, porém ela não voltará para mim” (2 Samuel 12:23). Davi, um homem "segundo o coração de Deus", não expressa desespero, mas a certeza de um reencontro. O grande pregador Charles Spurgeon, em seu sermão "Salvação de Crianças", afirmou sobre este texto:

"Ele disse: 'Eu irei a ele'. Ele não estava falando sobre o túmulo. Ele estava falando do céu. Ele veria seu filho novamente. Esta é uma base sólida para a nossa crença de que as crianças que morrem na infância são salvas."⁴

6. Consideradas Propriedade de Deus e Parte da Aliança

As Escrituras repetidamente demonstram o direito de propriedade especial que Deus reivindica sobre as crianças. Em Ezequiel 16:21, Deus repreende Israel por sacrificar "meus filhos" a Moloque. Essa reivindicação está enraizada na promessa da aliança feita a Abraão (Gênesis 17:7). Além disso, Jesus valida a pureza do louvor que emana delas, citando o Salmo 8: “...nunca lestes: Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor?” (Mateus 21:16). O teólogo João Calvino, comentando sobre este ponto, afirma:

"Cristo defende as crianças, afirmando que Deus se digna a fazer com que Seu próprio nome seja cantado por elas. O que Deus aprova, os escribas não tinham o direito de condenar."⁵

7. O Caráter Justo e Misericordioso de Deus

O argumento final repousa no próprio caráter de Deus. A justiça de Deus é perfeita. Abraão, ao interceder por Sodoma, faz a pergunta retórica que ecoa através dos séculos: "Não faria justiça o Juiz de toda a terra?" (Gênesis 18:25). A resposta implícita é um retumbante "sim". E a justiça de Deus, unida à Sua misericórdia manifestada em Cristo, nos dá forte consolo para crer que Ele acolhe os pequenos em Seus braços eternos.


Notas de Rodapé

¹ Augustus Nicodemus Lopes, Cristianismo Descomplicado: Questões Difíceis da Vida Cristã de um Jeito Fácil de Entender (São Paulo: Mundo Cristão, 2017), p. 74.

² Charles Hodge, Systematic Theology (Teologia Sistemática), Parte III, Capítulo 20.

³ Confissão de Fé de Westminster, Capítulo X, Seção 3 (1647).

⁴ Charles H. Spurgeon, Sermão nº 411, "Infant Salvation" (A Salvação de Crianças), pregado em 29 de setembro de 1861.

⁵ João Calvino, Comentário de Mateus, Marcos e Lucas, sobre Mateus 21:16.

 

Frases de autores reformados:

Charles H. Spurgeon (1834-1892)

Considerado o "Príncipe dos Pregadores", Spurgeon foi talvez o mais enfático e pastoral defensor desta doutrina.

"Deixem-me dizer claramente mais uma vez, eu não tenho a menor dúvida da salvação de toda e qualquer criança que morre na infância. Creio que, no momento em que a alma da criança se desprende do corpo, ela é imediatamente aceita no seio de Cristo." Referência: Sermão nº 411, "Infant Salvation" (A Salvação de Crianças), pregado em 29 de setembro de 1861.

"Nós sabemos que infantes entram no reino, pois estamos convencidos de que todos da nossa raça humana que morrem na infância são incluídos na eleição da graça e participam da redenção efetuada por nosso Senhor Jesus. Seja o que for que alguns pensam, todo o espírito e tom da Palavra de Deus, bem como a natureza do Próprio Deus, levam-nos a crer que todos os que deixam este mundo como bebês são salvos." Referência: Sermão "Pescadores de Crianças".

"Acredito que o Senhor Jesus, que disse: 'Deixai os pequeninos vir a mim e não os impeçais, porque dos tais é o reino dos céus', recebe em glória todas as crianças que morrem." Referência: Sermão nº 1033, "The Children's Portion" (A Porção das Crianças), pregado em 11 de maio de 1872.

"Eu acredito que haverá mais no céu do que no inferno. Se alguém me pergunta por que eu acho que sim, eu respondo, porque Cristo, em tudo, deve 'ter a preeminência', e eu não posso conceber como Ele poderia ter a preeminência se deverá haver mais pessoas nos domínios de Satanás do que no Paraíso. Além disso, eu nunca li que haverá no inferno uma grande multidão, que ninguém podia contar. Alegro-me em saber que as almas de todos os infantes, assim que eles morrem, seguem imediatamente o seu caminho para o Paraíso." Referência: Spurgeon, C. H.. Os 5 Pontos do Calvinismo: Uma Introdução. O Estandarte de Cristo, pp. 19-20. Edição do Kindle.


Charles Hodge (1797-1878)

Um dos mais importantes teólogos presbiterianos da América, Hodge foi claro em sua Teologia Sistemática sobre sua convicção.

"Portanto, excluir as crianças de 'todos' os que são vivificados em Cristo é contrário não apenas ao argumento do Apóstolo, mas a todo o espírito da passagem (Rm 5.12–21)." Referência: Charles Hodge, Teologia Sistemática, trans. Valter Martins, 1ª edição. (São Paulo: Hagnos, 2001), p. 20.

"Cremos que todos os que morrem na infância são salvos. (...) Os reformados não hesitam em dizer, com Lutero, 'É piedoso e agradável a Deus crer que Deus é tão misericordioso que salva as crianças que não são batizadas'." Referência: Charles Hodge, Systematic Theology (Teologia Sistemática), Parte III, Capítulo 20.

"As Escrituras em lugar nenhum excluem os infantes da salvação. O plano da salvação é em todos os seus detalhes tão aplicável a eles quanto aos adultos. E a Escritura, em muitas passagens, parece favorecer a convicção de que todos os que morrem em sua infância são escolhidos para a vida eterna." Referência: Charles Hodge, Systematic Theology (Teologia Sistemática), Parte III, Capítulo 20.


Benjamin B. Warfield (1851-1921)

Um dos maiores defensores da inerrância bíblica e da teologia reformada clássica no Seminário de Princeton.

"A questão não é se alguns infantes são salvos, mas se todos os infantes que morrem como tais são salvos. E para esta pergunta, os calvinistas têm retornado com crescente unanimidade uma resposta afirmativa. (...) O sentimento calvinista comum e prevalecente é que todos os que morrem na infância são eleitos para a vida." Referência: B. B. Warfield, The Development of the Doctrine of Infant Salvation (O Desenvolvimento da Doutrina da Salvação Infantil).

"O que nos é dito é que Cristo veio para salvar o mundo, e o mundo inclui não apenas os adultos, mas também as crianças. Sua graça é suficiente para as necessidades delas, e Sua graça é soberana e a aplicará a quem Ele quiser. Nossa confiança Nele nos assegura que Ele não fará injustiça a ninguém; Sua promessa de que dos tais é o reino dos céus nos dá base para a doce convicção de que Ele salvará todos os que morrem na infância." Referência: B. B. Warfield, Two Studies in the History of Doctrine.


John Piper (1946 - )

Conhecido por seu ministério "Desiring God", Piper aborda o tema com uma esperança robusta, fundamentada na soberania e no caráter de Deus.

"Minha forte esperança, e minha inclinação a crer, é que todas as crianças que morrem na infância são salvas. Eu não digo isso com o mesmo nível de certeza que tenho sobre a justificação pela fé... mas eu tenho razões bíblicas para isso. Por exemplo, Deuteronômio 1:39 se refere às 'crianças, que hoje não conhecem o bem nem o mal' e diz que elas entrarão na terra prometida, enquanto seus pais rebeldes não entrarão." Referência: John Piper, Episódio do podcast "Ask Pastor John" nº 1215, intitulado "Do All Infants Go to Heaven?" (Todas as Crianças Vão para o Céu?), publicado em 23 de abril de 2018.

"A morte de Cristo é suficiente para salvar todos os que são incapazes de crer. Portanto, a questão para os infantes não é a extensão da expiação, mas a aplicação da expiação. E minha esperança é que Deus, em Sua soberana graça, aplique a expiação a todas as crianças que morrem em tenra idade." Referência: John Piper, Sermão "The Greatness of God's Power for Us" (A Grandeza do Poder de Deus por Nós), pregado em 2 de abril de 1995.


Augustus Nicodemus (1954 - )

Um dos mais proeminentes pastores e teólogos presbiterianos do Brasil.

"Os reformados têm duas visões distintas para essa questão. Há aqueles que creem que, quando a criança morre, só entrará no céu caso seja eleita. (...) Há outro grupo, no qual eu me insiro, que crê que toda criança que morre antes da idade da razão — isto é, antes de adentrar a fase da vida em que peca conscientemente — é eleita. Cristo, na cruz do Calvário, levou sobre si os pecados dessas crianças." Referência: Augustus Nicodemus Lopes, Cristianismo Descomplicado: Questões Difíceis da Vida Cristã de um Jeito Fácil de Entender (Editora Mundo Cristão, 2017), p. 75.

"Ela, então, será salva, não porque seja inocente, haja vista que o pecado original está presente em seu ser desde o nascimento, mas porque Jesus pagou o preço de salvação até mesmo por seu pecado original. Tudo isso pela graça e não por mérito, não por ser a criança 'inocente', como tanto se afirma." Referência: Augustus Nicodemus Lopes, Cristianismo Descomplicado: Questões Difíceis da Vida Cristã de um Jeito Fácil de Entender (Editora Mundo Cristão, 2017), p. 75.


Loraine Boettner (1901-1990)

Autor de "A Doutrina Reformada da Predestinação".

"Os calvinistas sustentam que todos aqueles que morrem na infância estão entre os eleitos. Visto que não são capazes de aceitar ou rejeitar a Cristo, a salvação deles depende da vontade de Deus e não da deles próprios; e uma redenção que não salvasse a nenhum deles dificilmente poderia ser chamada de completa." Referência: Loraine Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination (A Doutrina Reformada da Predestinação), Capítulo 11: "Infant Salvation".


John Newton (1725-1807)

O autor do hino "Amazing Grace" (Maravilhosa Graça).

"Creio que todos os infantes, assim que deixam este mundo, estão incluídos na eleição da graça. Olhando para o texto 'dos tais é o reino dos céus', eu não posso duvidar, mas regozijo-me ao crer que um vasto número deles está continuamente povoando o reino da glória." Referência: John Newton, em uma carta pastoral a um casal que perdeu um filho. Citado em diversas biografias e coletâneas de suas cartas.

 

 

 

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