A
pergunta “a mulher pode ensinar na igreja?” frequentemente nos leva a um debate
focado em proibições. Mas e se começarmos por outro lado? E se, em vez de
perguntar o que a mulher não pode fazer, nós investigarmos o que as
Escrituras positivamente mostram e ordenam? Ao fazer isso,
descobrimos que a Bíblia não apenas permite, mas ativamente demonstra que as
mulheres têm um papel indispensável no ensino da verdade de Deus.
Argumentar
que uma mulher não pode ensinar na igreja não é apenas um desserviço aos dons
que o Espírito Santo distribui, mas também uma contradição com o testemunho das
próprias Escrituras. A verdadeira fidelidade bíblica não é silenciar vozes, mas
discernir os diferentes e complementares papéis que Deus designou para o Seu
povo.
O
Testemunho Inegável das Escrituras
Antes
de analisar as passagens restritivas, vamos construir nosso alicerce sobre o
que a Bíblia claramente demonstra. A evidência a favor do ensino feminino é
vasta e inegável.
1.
Priscila, a Mestra de Apolo (Atos 18:26) Este é talvez o caso mais
claro e irrefutável. Apolo era um homem "poderoso nas Escrituras", um
pregador eloquente. No entanto, sua teologia era incompleta. E quem o ensinou?
O texto diz: "...ouvindo-o, porém, Priscila e Áquila, tomaram-no consigo
e, com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de Deus."
Uma
mulher, Priscila — mencionada inclusive antes de seu marido —, ensinou doutrina
a um dos líderes mais proeminentes da igreja primitiva. Se a intenção de Deus
fosse proibir categoricamente que mulheres ensinassem homens, este relato seria
inexplicável. O teólogo John M. Frame destaca a importância de Priscila
ser mencionada primeiro, indicando seu papel central naquela instrução.
2. As
Profetizas da Nova Aliança (Atos 2:17-18; 1 Coríntios 11:5) A
vinda do Espírito Santo em Pentecostes inaugurou uma nova era, exatamente como
o profeta Joel previu: "vossos filhos e vossas filhas profetizarão".
Profetizar no Novo Testamento é, fundamentalmente, proclamar a Palavra de Deus
para "edificação, exortação e consolação" (1 Coríntios 14:3). É uma
forma de ensino e pregação.
Paulo
não proíbe as mulheres de profetizarem; pelo contrário, ele dá instruções sobre
como elas devem fazer isso (1 Coríntios 11:5). Se a prática fosse
errada, ele a teria proibido, e não regulamentado. Isso é um reconhecimento
explícito de que a voz de ensino da mulher tinha lugar no culto da igreja. Como
observa Philip Graham Ryken, citar Joel em Pentecostes significa que o
ministério profético das mulheres é uma característica fundamental da era da
igreja.
3. O
Ensino Mútuo de Todo o Corpo de Cristo (Colossenses 3:16) A
visão de Paulo para uma igreja madura não é de um monólogo pastoral, mas de um
diálogo vibrante. Ele ordena a toda a igreja de Colossos: "Habite,
ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos
mutuamente em toda a sabedoria...". Este mandamento não tem asterisco
de gênero. É uma convocação para que todos os membros, homens e mulheres, que
possuem sabedoria na Palavra, a compartilhem para a edificação mútua.
4. A
Incoerência de um "Deus Lógico" que Proíbe o Ensino
Deus é
um Deus de ordem e coerência. Ele não age de forma arbitrária. Então, por que
Ele daria a uma mulher o dom do ensino, a paixão pelas almas e um profundo
conhecimento de Sua Palavra, apenas para proibi-la de usar esses dons? A
verdade é que Ele não o faz.
Pensemos
com lógica: uma mulher que conhece as Escrituras não pode ensinar, mas um homem
que as desconhece pode? É claro que não. A qualificação para o ensino é o
conhecimento da verdade e a capacidade de comunicá-la, dons que o Espírito
distribui soberanamente a quem quer. Como questionou o teólogo John M. Frame:
"Como
podemos achar que Deus daria às mulheres dons de sabedoria, conhecimento e
comunicação que são para a edificação da igreja mas não para a edificação de
homens adultos?"
Ignorar
os dons de uma mulher simplesmente por seu gênero não é honrar a Deus, mas
desprezar a capacitação que Ele mesmo concedeu.
5. A
Contradição do Mandamento Universal
A
pregação do Evangelho é um mandamento universal, o "Ide" de Jesus
vale para todos. Se pregar é, em sua essência, ensinar o caminho da salvação, e
as mulheres são chamadas a evangelizar, como podemos proibi-las de ensinar na
igreja? É uma contradição gritante.
O
grande pregador D. Martyn Lloyd-Jones, ao comentar Atos 8, diferencia os
crentes dispersos que "iam por toda parte pregando a palavra" (v.4)
do ofício específico de Filipe, que "anunciava-lhes a Cristo" como um
arauto oficial (v.5). A primeira atividade, "tagarelar" o evangelho,
era para todos. A segunda, o anúncio oficial em nome da igreja, era para os que
ocupavam um ofício. Essa distinção é crucial: toda mulher pode e deve
"pregar" no sentido de proclamar, ensinar e compartilhar o evangelho.
Além
disso, vemos hoje uma outra contradição na prática: aceitamos e celebramos
mulheres que escrevem livros teológicos profundos, que ensinam milhares de
homens e pastores, mas questionamos se ela pode ensinar presencialmente em uma
Escola Dominical. Qual é a lógica por trás disso? Se o problema é uma mulher
ensinar a um homem, então esses livros deveriam ser proibidos para o público
masculino. A posição se torna indefensável. Como afirmou o teólogo Philip
Graham Ryken:
"Proibir
as mulheres de ensinar os homens é contrário ao mandamento bíblico e até mesmo
contrário ao exemplo bíblico."
6. Uma
Ordem de Função, Não de Valor
Mas
por que essa restrição ao ofício pastoral? Os autores reformados, baseando-se
em Paulo, apontam para a ordem da criação (Gênesis 1 e 2). Deus estabeleceu uma
estrutura para a família e para a igreja, onde o homem tem a função de
liderança. O teólogo Edmund P. Clowney explica que a igreja é como a
"família de Deus", e a liderança pastoral reflete o papel paternal
nessa estrutura.
Isso
não torna a mulher inferior, assim como Cristo não é inferior a Deus Pai, mesmo
se submetendo a Ele na obra da redenção (1 Coríntios 11:3). É uma questão de função,
não de valor ou dignidade. Homem e mulher são igualmente criados à
imagem de Deus e co-herdeiros da graça da vida.
7. O
Que a Mulher Pode (e Deve) Fazer?
Longe
de silenciar as mulheres, a Bíblia as chama para um ministério vibrante e
essencial. Uma igreja que ouve apenas as vozes masculinas, como diz a escritora
Francine Veríssimo Walsh, torna-se "uma igreja aleijada, incompleta
e incapacitada de, verdadeiramente, cumprir seu papel no mundo."
Então,
o que a mulher pode fazer?
·
Pregar e ensinar em
diversas ocasiões: escolas dominicais, pequenos grupos, conferências,
seminários.
·
Evangelizar e
discipular homens e mulheres.
·
Escrever livros e
artigos teológicos.
·
Aconselhar e
instruir, como Priscila fez com Apolo.
·
Liderar diversos ministérios
na igreja que não exijam a autoridade pastoral.
·
Ensinar as mulheres mais jovens, como
ordena a passagem de Tito 2:3-5.
A mulher é a ezer kenegdo, a auxiliadora idônea, não apenas no casamento, mas na grande comissão. Sua perspectiva, seus dons e sua voz são indispensáveis para a saúde e o crescimento do Corpo de Cristo.
8. Esclarecendo
a Restrição: "Mas e 1 Timóteo 2?"
Diante
de evidências tão claras, como entender a ordem de Paulo: "Não permito que
a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem" (1 Timóteo 2:12)? Esta
passagem anula todo o resto? De forma alguma.
A
chave está na gramática e no contexto. Paulo conecta duas ações:
"ensinar" e "exercer autoridade". Ele não está proibindo o
ato de ensinar em si, que ele mesmo incentiva em outros lugares. Ele está
proibindo a mulher de assumir o ofício de governo da igreja, que combina
o ensino com a autoridade pastoral/presbiterial.
·
O teólogo Augustus Nicodemus é preciso
ao afirmar: "Para o apóstolo, a questão é o exercício de autoridade sobre
homens, e não o ensino. O ministério didático feminino, exercido com o múnus da
autoridade que ofícios de pastor e presbítero emprestam, seria uma violação..."
·
O estudioso Hans Bürki vai além,
explicando que a dominação masculina não é um mandato da criação, mas uma
consequência do pecado (Gênesis 3:16). E ele conclui de forma poderosa:
"Cristo, porém, acaba com as consequências da dominação pecaminosa dos
homens: a mulher tem livre acesso ao ensino-aprendizado."
Portanto,
1 Timóteo 2 não é uma proibição geral de ensino, mas uma definição específica
do ofício pastoral. Como resume John M. Frame, tirando o ofício de
presbítero, "uma mulher pode fazer na igreja qualquer coisa que um homem
não ordenado faz." Isso abre um campo ministerial imenso e legítimo.
9. Uma
Igreja Completa Precisa da Voz Feminina
Uma
igreja que, por uma interpretação equivocada, silencia metade de seus membros,
está se privando de uma riqueza imensa. Está se tornando, nas palavras da
escritora Francine Veríssimo Walsh, "uma igreja aleijada,
incompleta", como "uma família de pai solteiro".
A
Bíblia nos dá o modelo de Febe, uma diakonos (serva, ministra) da igreja, a
quem Paulo confia a entrega de sua carta aos Romanos e a quem ele pede que a
igreja apoie em seu ministério (Romanos 16). O teólogo Edmund P. Clowney
argumenta que essa recomendação formal indica um ministério reconhecido e
conclama: "A igreja hoje deve reconhecer suas Febes e ver que seus
ministérios são legítimos."
Abraçar
o ministério de ensino das mulheres na igreja não viola as Escrituras. Pelo
contrário, é a aplicação mais fiel e completa da visão do Novo Testamento, que
vê a igreja como um corpo com muitos membros, onde cada um, homem ou mulher,
usa seus dons para o bem de todos.
É hora
de pararmos de focar em uma única árvore de restrição e passarmos a enxergar a
floresta inteira de liberdade e capacitação que Deus deu às suas filhas para
ensinar, proclamar e edificar o Reino de Deus.
Perguntas
Difíceis para Quem Proíbe as Mulheres de Ensinar
Para
os nossos irmãos que, com sinceridade e convicção, defendem que as mulheres
devem permanecer em silêncio e não podem ensinar na igreja, propomos as
seguintes questões. O objetivo não é o confronto, mas a busca mútua por uma
compreensão mais profunda e coerente da Palavra de Deus.
Perguntas
sobre os Exemplos Bíblicos:
1. Sobre
Priscila: Se uma mulher é biblicamente proibida de ensinar a um
homem, como explicar Atos 18:26, onde Priscila, nomeada antes de seu marido,
ensinou doutrina precisa ao grande pregador Apolo? Ela pecou ao ensinar, ou
Lucas errou ao registrar o fato de forma positiva e exemplar?
2. Sobre
as Profetizas: Em 1 Coríntios 11, Paulo dá instruções sobre como
as mulheres devem profetizar na igreja. Se profetizar é falar a Palavra de Deus
para edificação (1 Co 14:3) — uma forma de pregação e ensino —, por que Paulo
regulamentaria em detalhes uma prática que ele proibiria totalmente apenas três
capítulos depois?
3. Sobre
a Promessa de Pentecostes: Pedro, no sermão inaugural da Igreja,
declara que a profecia de Joel se cumpriu e que nossas filhas iriam profetizar
(Atos 2:17-18). Como sua teologia lida com essa promessa explícita para a Nova
Aliança? O ministério profético das mulheres, prometido por Deus e derramado
pelo Espírito, se resume a conversas informais fora do culto?
Perguntas
sobre a Coerência Teológica e Lógica:
4. Sobre
a Lógica dos Dons Espirituais: Deus age com propósito. Qual
seria o propósito lógico de Deus em conceder a uma mulher o dom do ensino, da
sabedoria e do conhecimento (Romanos 12, 1 Coríntios 12), para depois proibi-la
de usar esses dons para a edificação de toda a igreja, incluindo os homens? A
igreja tem autoridade para anular o exercício de um dom concedido pelo Espírito
Santo?
5. Sobre
o Mandamento de Discipular: O mandamento de "fazer
discípulos..., ensinando-os a guardar todas as coisas" (Mateus 28:19-20)
foi dado apenas aos homens? Se uma mulher missionária leva uma tribo inteira a
Cristo, incluindo homens adultos, e os ensina os fundamentos da fé, ela está em
pecado?
6. Sobre
a Coerência entre Palavra Escrita e Falada: Hoje, é amplamente
aceito que mulheres escrevam livros de teologia, artigos profundos e hinos
doutrinários que ensinam e edificam milhares de homens e pastores. Qual é a
lógica bíblica que permite a uma mulher ensinar massivamente através da palavra
escrita, mas a proíbe de ensinar presencialmente a um pequeno grupo? Onde a
Bíblia estabelece que o meio (púlpito vs. livro) é mais importante que o
conteúdo?
Perguntas
sobre a Aplicação Prática:
7. Sobre
o Limite de Idade: Se uma mulher pode (e deve) ensinar crianças e
adolescentes do sexo masculino, em qual idade exata o ensino dela se torna
pecado para eles? Aos 13? Aos 18? Qual versículo bíblico define esse limite de
idade e justifica essa transição?
8. Sobre
as Mulheres sem Marido: O texto de 1 Coríntios 14 instrui a
mulher a "perguntar, em casa, a seu próprio marido". O que essa regra
significa, na prática, para as mulheres solteiras, viúvas, ou aquelas cujos
maridos são descrentes ou teologicamente ignorantes? Elas estão condenadas a
permanecer com suas dúvidas e sem acesso ao aprendizado dialogado na
comunidade?
Perguntas
sobre a Interpretação dos Textos:
9. Sobre
Autoridade vs. Ensino: A proibição em 1 Timóteo 2:12 une
"ensinar" com "exercer autoridade". Se fossem proibições
totalmente separadas e absolutas, por que Paulo as conecta de forma tão direta?
Não é uma interpretação mais consistente entender que Paulo proíbe um tipo
específico de ensino: aquele que usurpa a autoridade governamental do ofício de
presbítero, que ele passa a descrever logo em seguida (1 Timóteo 3)?
10.
Sobre a Ordem da Criação: A
justificativa da proibição em 1 Timóteo 2 é a ordem da Criação. Como esse mesmo
princípio permite que uma mulher seja juíza sobre Israel (Débora), rainha,
presidente de uma nação ou CEO de uma empresa — governando homens em esferas
civis com autoridade de vida ou morte —, mas a proíbe de ensinar uma classe de
Escola Dominical para adultos? A autoridade na igreja é um princípio de
natureza tão diferente que se opõe a todos os outros exemplos de liderança
feminina que Deus permitiu em outras esferas?
11.
Sobre o Dom e a Pessoa:
Considere dois cenários: (A) um homem imaturo na fé, com pouco
conhecimento bíblico e sem o dom de ensino; (B) uma mulher com décadas
de estudo, vida piedosa e um dom de ensino reconhecido por todos. Uma política
de proibição total força a igreja a silenciar a mulher (B) e a dar a palavra ao
homem (A). Como essa prática, que prioriza o gênero sobre a maturidade e a
capacitação do Espírito, pode ser a que mais honra a Deus e edifica o Seu povo?
12.
Sobre "Apagar o Espírito": Em 1
Tessalonicenses 5:19-20, Paulo nos ordena a "não apagar o Espírito" e
"não desprezar as profecias". Se o Espírito Santo move uma mulher a
trazer uma palavra de ensino que claramente edifica, corrige e consola a
igreja, como a ordem de silenciá-la, baseada unicamente em seu gênero, não
corre o risco de diretamente desobedecer a esses dois mandamentos apostólicos?
13.
Sobre o Medo da "Ladeira
Escorregadia": Frequentemente, o argumento para proibir o
ensino feminino é o medo de que isso inevitavelmente levará à ordenação
feminina e ao liberalismo teológico. Esse argumento não demonstra uma falta de
fé na própria liderança masculina, em sua capacidade de governar a igreja e
guardar a sã doutrina? Uma liderança bíblica não deveria ser robusta o
suficiente para receber o ensino de mulheres dotadas, sob sua supervisão, sem
que isso ameace a estrutura da igreja?
14.
Sobre o Argumento da Decepção de Eva: O
fato de que "Eva foi enganada" (1 Timóteo 2:14) é usado como razão
para a proibição. Se a suscetibilidade à decepção é uma característica inerente
e permanente do gênero feminino, por que Deus confiaria às mulheres a tarefa
teológica mais fundamental e formativa de todas: a instrução inicial de seus
filhos, que se tornarão os futuros líderes da igreja? Não seria essa a posição
de maior risco?
15.
Sobre o Corpo de Cristo: Paulo
descreve a igreja como um corpo onde cada membro é vital, e não podemos dizer a
outro: "não preciso de você" (1 Coríntios 12:21). Ao proibir
sistematicamente o dom de ensino de todas as mulheres de ser exercido para a
edificação de toda a igreja, não estamos, na prática, dizendo a mais da metade
do Corpo de Cristo: "Não precisamos do seu dom de ensino; sua sabedoria e
instrução são dispensáveis para nós, homens"?
Referências
para aprofundamento:
·
Hans Bürki, Comentário
Esperança, Primeira Carta a Timóteo.
·
John M. Frame, A
Doutrina da Vida Cristã.
·
Augustus Nicodemus, FIDES
REFORMATA (1997).
·
Edmund P. Clowney, A
Igreja.
·
Francine Veríssimo Walsh, Ela
à Imagem Dele.
·
Philip Graham Ryken, Estudos
Bíblicos Expositivos em 1 Timóteo.
2 Comentários
Se me é permitido, partilho aqui um artigo que escrevi sobre a alegação de que não existem Pastoras no Novo Testamento: https://vidaemabundancia.blogspot.com/2025/03/nao-ha-pastoras-no-novo-testamento.html?m=0
ResponderExcluirSe me é permitido, partilho aqui um artigo que escrevi sobre a alegação de que não existem Pastoras no Novo Testamento: https://vidaemabundancia.blogspot.com/2025/03/nao-ha-pastoras-no-novo-testamento.html?m=0
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