
Casal
em Igrejas Diferentes: Uma Reflexão sobre Unidade e Liderança Espiritual
Por
Presbítero Luciano Leite, 18 de janeiro de 2020
Este
artigo se propõe a refletir sobre uma questão delicada e cada vez mais comum no
meio cristão: a situação de maridos e mulheres que frequentam igrejas
evangélicas distintas. Frequentemente, essa realidade surge de dois cenários
principais: o casal já pertencia a denominações diferentes quando se uniu, ou
um dos cônjuges decidiu mudar de congregação devido a divergências
doutrinárias.
O
objetivo deste texto não é impor uma regra, mas oferecer uma perspectiva
pastoral fundamentada nos princípios bíblicos, buscando a saúde e a unidade do
lar cristão.
1. O
Fundamento da Unidade: "Uma Só Carne"
O
ponto de partida para qualquer discussão sobre o casamento é o princípio divino
da unidade. Em Marcos 10:6-9, Jesus reafirma o propósito original de Deus para
o matrimônio:
“Porém,
desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, deixará o
homem a seu pai e mãe e, com sua mulher, serão os dois uma só carne. De modo
que já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não separe
o homem.”
Tornar-se
"uma só carne" transcende a união física; é uma fusão de vidas,
propósitos e destinos. Essa unidade indissolúvel deve se refletir em todas as
áreas da vida a dois: nas decisões, na criação dos filhos e, fundamentalmente,
na vida devocional. Se o apóstolo Paulo conclama a igreja de Corinto a ter
"a mesma disposição mental e o mesmo parecer" para que não houvesse
divisões (1 Coríntios 1:10), quanto mais esse ideal se aplica à aliança
matrimonial, que é a mais íntima das relações humanas e o alicerce da família.
2. A
Liderança Espiritual do Lar
A
Escritura estabelece o homem como o líder espiritual, ou sacerdote, do lar.
Essa responsabilidade foi designada desde o Éden. Embora Eva tenha sido a
primeira a ser enganada, foi Adão a quem Deus chamou para prestar contas da
transgressão (Gênesis 3:9-11), pois a ele a ordem fora primariamente confiada.
Essa
estrutura de liderança é reafirmada no Novo Testamento, que estabelece o
governo da própria casa como um pré-requisito para a liderança na Igreja (1
Timóteo 3:4-5). Vemos um exemplo poderoso em Jó, que intercedia e santificava
seus filhos continuamente, consciente de seu papel sacerdotal (Jó 1:4-5).
A
liderança do marido, portanto, é um pilar para a saúde espiritual da família.
Como afirma Efésios 5:23: "Porque o marido é o cabeça da mulher, como
também Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo."
Assumir essa função com responsabilidade e amor é um dever bíblico.
3. A
Essencialidade do Acordo
O
profeta Amós faz uma pergunta retórica e profunda: "Andarão dois
juntos, se não houver entre eles acordo?" (Amós 3:3). A vida conjugal
é uma caminhada conjunta. Se o casal não caminha junto em uma área tão central
quanto a vida congregacional, é preciso questionar a natureza e a profundidade
de seu acordo.
Ainda
que um casal possa administrar a logística de frequentar igrejas diferentes,
essa escolha levanta questões importantes que precisam ser refletidas com
seriedade:
·
Como os filhos serão discipulados? Dividi-los
entre duas comunidades pode gerar confusão e insegurança.
·
Como a família participará unida de ordenanças
como a Ceia do Senhor?
·
De que forma o casal compartilhará uma vida
comunitária e servirá a Deus em conjunto?
A
ausência de unidade na prática da fé pode, com o tempo, criar fissuras na
harmonia familiar.
4.
Orientações para uma Decisão Unificada
Para o
casal que busca a bênção de uma caminhada espiritual unificada, a recomendação
é que escolham juntos uma mesma igreja para congregar. Alguns parâmetros podem
guiar essa decisão:
·
À esposa: A
orientação bíblica é que você honre e apoie a liderança de seu marido (Efésios
5:22). A menos que a igreja escolhida por ele se desvie frontalmente dos
pilares essenciais da fé, seu papel é acompanhá-lo. Uma recusa constante pode,
ainda que sem intenção, minar a autoridade espiritual que Deus conferiu a ele e
gerar instabilidade no lar. A postura de Josué, "eu e a minha casa
serviremos ao SENHOR" (Josué 24:15), reflete a decisão de um líder que
assume seu posto.
·
Ao marido: Sua
liderança deve ser exercida com amor, sabedoria e diálogo, como Cristo lidera a
Igreja. Se há um impasse, não se omita. Busque o entendimento, estude as
Escrituras com sua esposa e tome uma decisão guiada por Deus, visando o
bem-estar espiritual de toda a família. Liberar a esposa para ir a outra igreja
sem um diálogo profundo pode ser interpretado como uma abdicação de seu papel
de sacerdote do lar.
·
Avaliação mútua:
Conversem com humildade sobre qual dos dois possui maior maturidade e
conhecimento bíblico para avaliar as opções de igreja. A decisão final deve
honrar a ordem bíblica, mas o processo deve ser de mútua consideração.
·
Foco no Essencial:
Divergências em doutrinas secundárias (usos e costumes, escatologia, etc.) não
deveriam ser um impedimento para a unidade do casal. A comunhão e o crescimento
da família devem prevalecer sobre preferências pessoais.
Conclusão
Embora
cada família tenha suas particularidades e desafios, a análise das Escrituras
aponta consistentemente para um ideal: o casal deve caminhar junto, adorando e
servindo a Deus na mesma comunidade de fé.
Viver
essa unidade pode exigir sacrifício, humildade e renúncia de ambas as partes.
Contudo, os frutos de um lar unificado na fé — para o casal, para os filhos e
para o testemunho da igreja — são inestimáveis. Portanto, o caminho da unidade,
embora desafiador, é o mais seguro e abençoador para a família cristã.
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