Novos

6/recent/ticker-posts

A História e as Versões da Bíblia em Português

A História e as Versões da Bíblia em Português

A História e as Versões da Bíblia em Português

Uma Jornada da Escassez à Pluralidade

A história da tradução da Bíblia para o português é uma fascinante jornada que reflete as transformações sociais, políticas e religiosas de Portugal e do Brasil. Começando com esforços esparsos e parciais na Idade Média, a tradução completa do texto sagrado em língua portuguesa só se consolidou séculos depois, impulsionada por figuras notáveis e por um contexto de reforma e contrarreforma.

Os Primórdios: Fragmentos em um Mar de Latim

A história da Bíblia em português começa em terras lusitanas. Muito antes de projetos de tradução em grande escala na Inglaterra ou na Alemanha, já existiam tentativas em Portugal. O Rei D. Diniz (1279-1325) traduziu os primeiros 20 capítulos de Gênesis, e seu sucessor, D. João I, traduziu o livro de Salmos. No século XV, surgiram outras traduções parciais, como a obra De Vita Christi, uma harmonia dos Evangelhos.

Esses esforços, no entanto, eram limitados e feitos a partir da Vulgata Latina, a versão oficial do catolicismo, e não dos originais hebraico e grego. A Igreja Católica, fortalecida pela Inquisição, perseguiu ativamente as traduções para o idioma "vulgar" do povo, temendo interpretações divergentes.

Os Pilares: Almeida, Figueiredo e a "Tradução Brasileira"

A verdadeira revolução na tradução bíblica em português veio com figuras centrais que refletem a cisão entre protestantismo e catolicismo, e também o surgimento de um movimento ecumênico inicial:

  • João Ferreira de Almeida (1628-1691): Nascido em Portugal, converteu-se ao protestantismo na Indonésia, então colônia holandesa. Seu trabalho de tradução, iniciado na juventude, foi monumental. Almeida traduziu o Novo Testamento do grego (Textus Receptus) e o Antigo Testamento do hebraico (Texto Massorético), além de consultar outras traduções europeias e a Vulgata Latina. O Novo Testamento foi publicado em 1681 e, após sua morte em 1691, o reverendo holandês Jacobus op den Akker concluiu o Antigo Testamento. A primeira Bíblia completa de Almeida foi publicada em 1753 e, posteriormente, em volume único em 1819. Sua tradução, com um estilo de equivalência formal, tornou-se a base de todas as versões protestantes em português.
  • Antônio Pereira de Figueiredo (1725-1797): Em resposta à tradução protestante de Almeida, o padre Figueiredo produziu a primeira tradução católica completa em português. Publicada entre 1778 e 1790, a versão de Figueiredo foi traduzida exclusivamente da Vulgata Latina, seguindo o mandamento do Concílio de Trento. Sua tradução é marcada por um português erudito e elegante, e incluiu os livros apócrifos (ou deuterocanônicos), o que a diferenciava da Bíblia protestante.
  • Tradução Brasileira (TB, 1917): Esta foi uma iniciativa pioneira e ecumênica, resultado do esforço da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira. A tradução contou com uma comissão de tradutores brasileiros de diversas denominações, que revisaram a linguagem, buscando uma forma mais acessível e precisa do português falado no Brasil, com base nos originais hebraico e grego. A TB foi a primeira Bíblia a se autodenominar "brasileira", buscando se adaptar à realidade linguística do país. Embora sua linguagem tenha se tornado arcaica com o tempo, ela foi um marco na história das traduções bíblicas no Brasil.

Diversificação e Modernização: Séculos XX e XXI

O século XX assistiu a uma explosão de novas traduções e revisões, tanto na linhagem de Almeida quanto no contexto católico, além do surgimento de versões com novas filosofias de tradução.

A Linhagem de Almeida

As revisões do texto de Almeida procuraram modernizar a linguagem e incorporar os avanços da crítica textual.

  • Almeida Revista e Corrigida (ARC): Fruto de revisões dos séculos XIX e XX, é a versão mais tradicional. Sua linguagem arcaica e estilo de equivalência formal estrita são valorizados por igrejas conservadoras.
  • Almeida Revista e Atualizada (ARA): Lançada pela Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) em 1959, esta versão promoveu uma atualização mais profunda da linguagem e se baseou em manuscritos mais antigos e confiáveis, distanciando-se do Textus Receptus. Tornou-se a Bíblia de estudo e de pregação mais popular no Brasil por décadas.
  • Nova Almeida Atualizada (NAA): Lançada em 2017 pela SBB, esta é a mais recente revisão da linhagem Almeida. Mantém a fidelidade aos originais, mas com uma linguagem totalmente moderna e fluida, abandonando arcaísmos e formas gramaticais incomuns no português atual.

Traduções Católicas Modernas

O Concílio Vaticano II incentivou o uso de Bíblias em vernáculo, traduzidas dos originais.

  • Bíblia Ave Maria: Publicada em 1959, foi traduzida do francês, que por sua vez se baseou nos originais. É conhecida por sua linguagem acessível e tornou-se a mais popular entre os católicos brasileiros.
  • Bíblia de Jerusalém (BJ): Lançada em português em 1981, é uma tradução erudita e rigorosa, realizada a partir dos originais. Possui um vasto aparato de notas de rodapé, o que a torna uma valiosa ferramenta de estudo.
  • Nova Bíblia Pastoral (NBP): A versão de 1990 é conhecida por sua linguagem popular e por uma abordagem exegética que a alinha com a Teologia da Libertação.

Novas Filosofias de Tradução

Com a ascensão da linguística moderna, surgiram versões que priorizam a clareza e a equivalência de sentido.

  • Nova Versão Internacional (NVI): Lançada em 2001, a NVI adota uma filosofia de tradução mista entre a equivalência formal e a dinâmica. Seu objetivo é ser fiel aos originais, mas com linguagem contemporânea, clara e elegante. Foi traduzida por uma comissão de especialistas brasileiros e estrangeiros, incluindo nomes como Russell Shedd e Luiz Sayão.
  • Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH): Lançada em 2000, é a principal representante da filosofia de equivalência dinâmica em português. Seu foco é transmitir a mensagem do texto original de forma simples e direta, ideal para novos leitores e para evangelização.
  • Nova Versão Transformadora (NVT): Publicada pela Mundo Cristão, esta tradução utiliza uma abordagem de "equivalência dinâmica fiel". Ela busca a clareza e a acessibilidade da linguagem contemporânea, mantendo uma forte fidelidade ao significado dos textos originais. A NVT é conhecida por sua linguagem fluida e direta, tornando-se popular entre o público jovem e em contextos de leitura devocional.

Quadro Comparativo das Principais Versões

Nome da Versão Ano Afiliação Peculiaridades
Bíblia de Almeida 1753 Protestante Primeira tradução completa dos originais. Estilo de equivalência formal.
Bíblia de Figueiredo 1790 Católica Traduzida da Vulgata Latina. Inclui livros deuterocanônicos. Linguagem clássica e erudita.
Tradução Brasileira (TB) 1917 Ecumênica Tradução pioneira e ecumênica para o português do Brasil.
Almeida Revista e Corrigida (ARC) 1898 Protestante Mantém a linguagem mais tradicional e arcaica. Fiel ao Textus Receptus.
Almeida Revista e Atualizada (ARA) 1959 Protestante (SBB) Linguagem atualizada e melhora na sonoridade do texto. Baseada em manuscritos mais antigos e confiáveis.
Bíblia Ave Maria 1959 Católica Primeira tradução católica acessível. Linguagem popular e pastoral, feita a partir do francês.
Bíblia de Jerusalém (BJ) 1981 Católica Versão de alto rigor acadêmico, com vastas notas. Traduz o nome de Deus como "Iahweh".
Nova Versão Internacional (NVI) 2001 Protestante Equilíbrio entre formalidade e dinamismo. Linguagem clara, elegante e contemporânea.
Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH) 2000 Ecumênica (SBB) Prioriza a equivalência dinâmica. Linguagem simples e popular, ideal para a evangelização.
Nova Almeida Atualizada (NAA) 2017 Protestante (SBB) Modernização completa da linguagem da ARA, eliminando arcaísmos e mantendo a fidelidade.
Nova Versão Transformadora (NVT) A partir de 2016 Protestante (Mundo Cristão) Equivalência dinâmica fiel. Linguagem contemporânea, fluida e clara.

Referências Bibliográficas

  • Almeida, Rute Salviano. “Traduções em Português da Bíblia”. In Enciclopédia do Protestantismo: Teologia, Eclesiologia, Filosofia, História, Cultura, Sociedade, Política, organizado por Juan Carlos Martinez. São Paulo: Hagnos, 2016.
  • Angus, Joseph. História, Doutrina e Interpretação da Bíblia. 1ª edição. São Paulo, SP: Hagnos, 2004.
  • Davis, John. “Versões”. In Novo Dicionário da Bíblia, traduzido por J. R. Carvalho Braga. São Paulo: Hagnos, 2005.
  • Krause, Mark S., e Douglas Mangum. “Tradução da Bíblia, questões críticas”. In Dicionário Bíblico Lexham, organizado por John D. Barry. Bellingham, WA: Lexham Press, 2020.
  • MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Antigo Testamento. 2ª edição. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.
  • MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. 2ª edição. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.

Postar um comentário

0 Comentários