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Desejar é pecado?

 

Desejar é Pecado?

Introdução: A Semente do Desejo

A pergunta "desejar é pecado?" ecoa no coração de muitos cristãos sinceros. De um lado, o desejo é uma força motriz da vida. Desejamos passar em um concurso, comprar um carro, prover para nossa família — ambições que, em si, são legítimas e até boas. Por outro lado, a Escritura nos adverte sobre os perigos que brotam de um coração indisciplinado.

Onde, então, traçamos a linha? A resposta bíblica é clara e profunda: o problema não reside no ato de desejar, mas na natureza e no objeto do nosso desejo. Enquanto alguns desejos nos impulsionam para a vida, outros são sementes que, se cultivadas, dão à luz o pecado e a morte.

O Diagnóstico Bíblico: Um Coração Corrompido

Para entender a questão, precisamos começar pelo diagnóstico que a própria Palavra de Deus nos oferece sobre a condição humana. O profeta Jeremias afirma de modo contundente: "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?" (Jeremias 17:9).

Este versículo não é uma condenação de nossas emoções, mas um alerta sobre a nossa inclinação natural. Se a fonte de nossos desejos é "desesperadamente corrupta", precisamos vigiar constantemente as intenções que nela nascem. É nesse terreno que o pecado é concebido. O apóstolo Tiago descreve o processo com precisão cirúrgica:

"Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte." (Tiago 1:15)

Note a progressão: a cobiça (o desejo pecaminoso) primeiro "concebe". O pecado já existe no coração antes mesmo de se manifestar em uma ação externa. O ato pecaminoso é, portanto, a consequência de algo que já nasceu e ganhou vida internamente.

O Ensino Radical de Cristo: A Lei no Coração

Jesus Cristo elevou o padrão da mera obediência externa para a pureza interna. Seu ensino no Sermão do Monte é a exposição mais clara sobre como o desejo pode ser, em si, um ato pecaminoso.

"Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela." (Mateus 5:28, NVI)

Aqui, Cristo nivela o campo de jogo. Para Deus, o pecado não é apenas o ato consumado, mas também o desejo deliberadamente nutrido no coração. O olhar lascivo, o pensamento alimentado, a fantasia cultivada — tudo isso já constitui adultério "no coração". O pecado foi concebido e consumado no santuário da mente.

É por isso que, logo em seguida, Jesus faz uma declaração chocante:

"Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno." (Mateus 5:29)

A mensagem é radical: devemos tomar medidas drásticas para cortar a fonte do desejo pecaminoso. Se nossos olhos são a porta de entrada para a cobiça, a batalha começa ali. Jesus reitera essa verdade ao listar a origem da verdadeira contaminação:

"Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso que contamina o homem. Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias." (Mateus 15:18-19)

Os "maus desígnios" são os próprios desejos pecaminosos. Eles são a raiz de todas as outras transgressões.

Tentação vs. Desejo: Uma Distinção Crucial

É fundamental distinguir entre ser tentado e consentir com o desejo. A tentação é a sugestão externa ou o impulso interno para o mal. O próprio Jesus foi tentado (Mateus 4:1-11), mas sem pecar. A tentação se torna pecado no momento em que a acolhemos e a transformamos em um desejo deliberado.

  • Tentação: Um pensamento impuro que cruza a mente.
  • Desejo Pecaminoso: Reter esse pensamento, alimentá-lo, fantasiar com ele e querer que ele se concretize.

Nós podemos ser tentados a cobiçar, a odiar ou a mentir. Essas sugestões podem surgir sem nosso consentimento. No entanto, elas não nos dão o direito de desejar o pecado. O desejo é o pecado já concebido no coração, como o peixe que abocanha o anzol. Ele ainda pode estar nadando, mas já está fisgado.

A Resposta Cristã: Cultivando um Coração Puro

Se a boca fala do que o coração está cheio, a solução não é apenas controlar nossas palavras e ações, mas transformar nosso coração. O verdadeiro cristão é chamado a ter não apenas uma vida exterior exemplar, mas, acima de tudo, um coração exemplar.

A batalha é vencida na mente. O apóstolo Paulo nos dá a estratégia:

"Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento." (Filipenses 4:8)

Não podemos deixar nossa mente se tornar um vácuo a ser preenchido pela impureza do mundo. Devemos ocupá-la proativamente com aquilo que honra a Deus.

Conclusão

Então, desejar é pecado? A resposta é um "sim" qualificado.

  • Não, quando o desejo é por coisas boas, legítimas e alinhadas à vontade de Deus.

  • Sim, quando o desejo é pecaminoso — a cobiça por aquilo que Deus proíbe.

Desejar a morte de alguém, nutrir desejos sexuais ilícitos por uma pessoa específica, ou planejar um furto por cobiça são, diante de Deus, pecados consumados no coração.

A vida cristã é uma chamada à santidade integral, que começa na fonte de todas as nossas ações: o coração. Que possamos, pela graça de Deus e pela disciplina do Espírito Santo, vigiar nossos corações e cultivar desejos que glorifiquem nosso Criador.


Referências e Citações (mantidas do original):

  • Catecismo Maior de Westminster, Pergunta 139: Oferece uma lista detalhada de pecados proibidos no sétimo mandamento, incluindo "todas as imaginações, pensamentos, propósitos e afetos impuros".

  • James Strong, Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong.

  • Fritz Grünzweig, Comentário Esperança, Carta de Tiago.

 

 


[1] James Strong, Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong (Sociedade Bíblica do Brasil, 2002).

[2] Fritz Grünzweig, Comentário Esperança, Carta de Tiago (Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2008), 40.

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