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Por Que um Cristão Não Pode Ser Comunista

 


Por Que um Cristão Não Pode Ser Comunista

A discussão sobre a interface entre fé cristã e política é perene e complexa. Contudo, ao analisar os fundamentos das ideologias de esquerda, especialmente o comunismo, sob a ótica da teologia reformada, emerge uma incompatibilidade incontornável. Autores como Charles Hodge, R. C. Sproul e D. Martyn Lloyd-Jones, alicerçados em uma cosmovisão bíblica, demonstram que a adesão a tais sistemas não é uma mera opção política para o cristão, mas uma contradição com os pilares essenciais da sua fé.

O Abismo de Cosmovisões: Teísmo Cristão vs. Materialismo Ateu

A raiz da incompatibilidade reside na diferença fundamental de cosmovisão. O cristianismo é teísta, partindo da existência de um Deus criador, soberano e legislador. Em contrapartida, o comunismo moderno é intrinsecamente materialista e ateu. O teólogo reformado Charles Hodge é taxativo ao afirmar que "o comunismo, em sua forma moderna, teve origem no materialismo ateu; na negação de Deus, que tem o direito de dar leis aos homens".

Essa filosofia não apenas nega Deus, mas busca ativamente erradicar a religião, que considera um "mal público". Os objetivos confessos do comunismo, segundo Hodge, incluem a "abolição da propriedade privada; na extinção da família; na anulação de todas as leis matrimoniais; e na proscrição da religião, especialmente do cristianismo" (Hodge, 2001, p. 1342).

Essa visão é diametralmente oposta aos ensinamentos bíblicos, que estabelecem Deus como a autoridade suprema (Êxodo 20:3), a família como instituição divina (Gênesis 2:24) e a propriedade privada como um direito protegido pela lei moral, como implícito no oitavo mandamento: "Não furtarás" (Êxodo 20:15). A ideologia marxista, ao colocar o homem e a luta de classes no centro do universo, cria uma "colisão fundamental entre os dois sistemas de crença", como aponta o sociólogo David Lyon. Para o marxismo, a moralidade não deriva de um Deus transcendente, mas dos interesses da classe dominante em cada época histórica.

O Equívoco sobre o "Comunismo Cristão" no Livro de Atos

Frequentemente, defensores de uma síntese entre cristianismo e socialismo apontam para a comunidade da igreja primitiva em Atos dos Apóstolos (Atos 2:44-45; 4:32-35) como um exemplo de "comunismo cristão". No entanto, uma análise cuidadosa, guiada por expositores reformados, revela o contrário.

R. C. Sproul esclarece que a partilha de bens na igreja primitiva era uma expressão de generosidade voluntária, não uma exigência econômica imposta por uma autoridade. Ele destaca um elemento crucial: "Distintamente ausente dessa descrição está o governo, tanto secular como eclesiástico, para impor essa atividade na igreja primitiva" (Sproul, 2017, p. 58). A decisão de vender propriedades e distribuir os recursos era motivada pelo amor cristão e pela compaixão, não por uma ideologia que abolia a propriedade.

William MacDonald reforça essa interpretação, listando as características que distinguem a prática da igreja primitiva do comunismo:

1.    A venda de bens era voluntária.

2.    O direito à propriedade particular não foi abolido.

3.    A distribuição era feita conforme a necessidade, não de maneira uniforme.

MacDonald conclui que a prática em Atos "não se trata de princípios comunistas, e sim da mais excelente demonstração de caridade cristã" (MacDonald, 2011, p. 349). O caso de Ananias e Safira (Atos 5) ilustra perfeitamente este ponto: o pecado deles não foi reter parte do dinheiro, mas mentir ao Espírito Santo, pretendendo ter dado tudo. Pedro lhes diz: "Conservando-o, porventura, não seria teu? E, vendido, não estaria em teu poder?" (Atos 5:4), reafirmando o direito à propriedade privada.

Em suma, a generosidade em Atos pressupõe a propriedade privada, que é voluntariamente partilhada por amor. O comunismo, por outro lado, elimina a propriedade privada através da coerção estatal. Como afirma Sproul, "Tanto o comunismo como o socialismo estão distantes dos princípios do Novo Testamento" (Sproul, 2017, p. 59).

Um Legado de Perseguição

A história do século XX oferece um testemunho sombrio da hostilidade inerente do comunismo para com o cristianismo. Onde quer que regimes marxistas tenham sido implementados, a Igreja sofreu perseguição brutal. Desde a União Soviética até a China, Cuba, Vietnã e Coreia do Norte, os cristãos foram sistematicamente oprimidos, suas igrejas fechadas e seus líderes presos ou executados.

Os textos fornecidos documentam essa realidade. Na Rússia, um decreto de 1929 proibia as organizações religiosas de "dar auxílio material aos seus membros", "organizar reuniões especiais" para crianças e jovens, ou "abrir bibliotecas", efetivamente estrangulando a vida comunitária da igreja. Na China, após a revolução comunista, missionários foram expulsos e igrejas foram forçadas a se submeter ao controle estatal, enquanto as "igrejas subterrâneas" que resistiram sofreram repressão violenta.

Essa perseguição não é um acidente histórico, mas a consequência lógica de uma ideologia que vê a fé em Deus como uma ameaça ao seu poder absoluto. O cristão, por ser leal a uma autoridade superior ao Estado – o Senhor Jesus Cristo –, é inevitavelmente visto como um dissidente em potencial. A promessa de perseguição feita por Jesus ("Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros" - João 15:20) encontra uma de suas mais claras expressões históricas na fúria dos regimes comunistas contra a Igreja.

Conclusão: Uma Escolha de Fidelidade

É crucial notar, como adverte D. Martyn Lloyd-Jones, que "a fé cristã não consiste em anticomunismo". A missão primária do cristão não é uma luta política, mas a proclamação do evangelho para a salvação de todos, incluindo os comunistas. No entanto, isso não anula a impossibilidade de conciliar as duas cosmovisões.

A adesão ao esquerdismo ou ao comunismo exige que o cristão negue verdades fundamentais de sua fé: a soberania de um Deus pessoal, a autoridade das Escrituras, a santidade da família, o direito à propriedade como dádiva divina a ser administrada com generosidade, e a própria natureza da salvação, que não vem de uma revolução proletária, mas da graça de Deus em Cristo.

Portanto, com base na teologia reformada e em um exame honesto da Bíblia e da história, a conclusão é inequívoca: um cristão não pode, de forma coerente e fiel, abraçar as ideologias de esquerda ou comunista. Fazer isso seria tentar servir a dois senhores, algo que o próprio Cristo declarou ser impossível (Mateus 6:24). A escolha final é uma questão de fidelidade: ao Deus da Bíblia ou a uma ideologia que o nega.

A tabela a seguir fornece um resumo visual das incompatibilidades fundamentais, servindo como um mapa cognitivo para a análise detalhada que se segue. Ela demonstra que o conflito não é sobre políticas específicas, mas sobre as respostas às questões mais fundamentais da existência humana.

Análise Comparativa de Cosmovisões: Cristã vs. Marxismo

 

Pergunta Central

Cristã

Marxismo

Realidade Última (Ontologia)

Um Deus transcendente, pessoal e soberano.

Matéria impessoal e eterna em movimento dialético.

Natureza da Humanidade (Antropologia)

Criado na Imago Dei; um ser espiritual e físico (Gênesis 1:27).

Um ser puramente material cuja consciência é produto de forças sociais/econômicas (homo economicus).

Fonte da Verdade (Epistemologia)

Revelação divina (A Bíblia).

Análise científica da história material (Socialismo Científico).

O Problema Central da Existência

Pecado: Rebelião moral contra Deus, levando à alienação e à morte (Romanos 3:23).

Opressão Econômica: Alienação causada pela propriedade privada e divisão de classes.

A Solução (Soteriologia)

Redenção Divina: Salvação pela graça através da fé na expiação de Cristo.

Revolução Proletária: Derrubada da burguesia e tomada dos meios de produção.

A Esperança Futura (Escatologia)

Os Novos Céus e a Nova Terra; vida eterna com Deus (Apocalipse 21:1).

A Utopia Comunista: Uma sociedade sem classes e sem Estado na terra.

Base da Ética

O caráter e os mandamentos revelados de Deus.

Interesse de classe; o que avança a revolução é "bom". A moralidade faz parte da superestrutura.

Referências Bibliográficas:

·        Hodge, Charles. Teologia Sistemática. Trad. Valter Martins, 1ª edição. São Paulo: Hagnos, 2001.

·        Lloyd-Jones, D. Martyn. Estudos no Sermão do Monte. Org. Tiago J. Santos Filho, trad. João Bentes, 2ª edição. São José dos Campos, SP: Editora FIEL, 2017.

·        MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. 2ª edição. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.

·        Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. Trad. Rubens Thomaz de Aquino, 1ª edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017.

·        Demais textos citados: D. Lyon em Novo Dicionário de Teologia (Hagnos, 2011); Paul A. Marshall e Grant LeMarquand em Dicionário Global de Teologia (Hagnos, 2017); Otto F. Stahlke em Dicionário de Ética Cristã (Cultura Cristã, 2007).

 

FRASES

Charles Hodge

   1.    Frase: "É fato histórico que o comunismo, em sua forma moderna, teve origem no materialismo ateu; na negação de Deus..." Referência: Charles Hodge, Teologia Sistemática, trad. Valter Martins, 1ª edição (São Paulo: Hagnos, 2001), 1342.

    2.    Frase: "[O sucesso do comunismo] envolveria a ruína de todos os governos existentes [...] na abolição da propriedade privada; na extinção da família; na anulação de todas as leis matrimoniais; e na proscrição da religião, especialmente do cristianismo, como sendo um mal público." Referência: Charles Hodge, Teologia Sistemática, trad. Valter Martins, 1ª edição (São Paulo: Hagnos, 2001), 1342.

   3.    Frase: "O comunismo moderno, ao contrário, no que diz respeito a seu caráter geral, é materialista e ateu..." Referência: Charles Hodge, Teologia Sistemática, trad. Valter Martins, 1ª edição (São Paulo: Hagnos, 2001), 1341.

R. C. Sproul

     4.    Frase: "Tanto o comunismo como o socialismo estão distantes dos princípios do Novo Testamento." Referência: R. C. Sproul, Estudos Bíblicos Expositivos em Atos, trad. Rubens Thomaz de Aquino, 1ª edição (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017), 58.

    5.    Frase: "Os governos totalitários que implantaram o comunismo geram grande aflição nas pessoas." Referência: R. C. Sproul, Estudos Bíblicos Expositivos em Atos, trad. Rubens Thomaz de Aquino, 1ª edição (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017), 58.

    6.    Frase: "Outra desgraça é o socialismo imposto pelo governo no qual a riqueza é redistribuída por coação do governo." Referência: R. C. Sproul, Estudos Bíblicos Expositivos em Atos, trad. Rubens Thomaz de Aquino, 1ª edição (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017), 58.

D. Martyn Lloyd-Jones

    7.    Frase: "A fé cristã não consiste em anticomunismo, e confio que nenhum de nós mostrar-se-á tão tolo e ignorante ao ponto de permitir que uma igreja, ou qualquer outro interesse, nos iluda e nos desvie de nossa verdadeira mensagem." Referência: D. Martyn Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, org. Tiago J. Santos Filho, trad. João Bentes, Segunda Edição (São José dos Campos, SP: Editora FIEL, 2017), 177.

William MacDonald

     8.    Frase: "[Sobre a igreja primitiva] Não se trata de 'comunismo cristão'. A venda dos bens era absolutamente voluntária. O direito à propriedade particular não foi abolido [...] Não se trata de princípios comunistas, e sim da mais excelente demonstração de caridade cristã." Referência: A citação é uma paráfrase do comentário de Ryrie, citada por William MacDonald em Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento, 2ª edição (São Paulo: Mundo Cristão, 2011), 349.

Lester R. DeKoster

    9.    Frase: "O marxista vê a moralidade cristã como deliberadamente criada pela classe dominante e exploradora para justificar a opressão das classes exploradas." Referência: Lester R. DeKoster, “Comunismo”, in Dicionário de Ética Cristã, trad. Elizabeth Gomes (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007), 124.

   10.  Frase: "O marxismo é o esforço mais sofisticado do homem para salvar a si mesmo na história e através da história." Referência: Lester R. DeKoster, “Comunismo”, in Dicionário de Ética Cristã, trad. Elizabeth Gomes (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007), 126.

Augustus Nicodemus Lopes

   11.  "O marxismo é um sistema de pensamento que é ateu, materialista e revolucionário, que prega a luta de classes. Ele não pode ser casado com o cristianismo. Todas as tentativas de fazer isso resultaram em um evangelho que não é o evangelho, mas é um evangelho social, um evangelho político, que perdeu a sua força e a sua mensagem principal que é a salvação do pecador." Referência: Palestra "A Incompatibilidade entre a Fé Cristã e o Esquerdismo", disponível em diversas plataformas online.

     12.    Sobre a Propriedade Privada e a Caridade:

"A Bíblia parte do princípio de que existe a propriedade privada. O oitavo mandamento, 'Não furtarás', só faz sentido se existe propriedade privada. [...] A solução da Bíblia para a pobreza não é a revolução, não é tomar dos ricos para dar aos pobres, mas é a conversão dos ricos para que eles, voluntariamente, com o coração cheio de amor, ajudem os necessitados." Referência: Sermão "Cristo e a Política", baseado em seus ensinos sobre o tema.

      13.      Sobre a Visão de Pecado e Salvação:

"Para o marxismo, o problema do homem é a estrutura social opressora. A salvação vem pela revolução que vai quebrar essas estruturas. Para a Bíblia, o problema do homem é o seu coração, que é pecador. A salvação vem pela fé em Jesus Cristo, que transforma esse coração. São duas visões de mundo completamente antagônicas." Referência: Resumo de sua argumentação frequente em pregações e palestras sobre ideologias.

John Piper

     14.      Sobre o Perigo do Estatismo (Estado Grande):

"A tendência do socialismo é fazer com que as pessoas dependam cada vez mais do governo e cada vez menos de Deus. A Bíblia nos ensina a confiar em Deus para o nosso pão de cada dia, e não no estado. Quando o estado se torna o grande provedor, ele se torna um ídolo." Referência: Episódio 1198 do podcast Ask Pastor John, intitulado "Is Socialism a Christian Ideal?".

15.     Sobre a Natureza da Compaixão Cristã vs. Coerção Estatal:

"O impulso cristão para a generosidade e o cuidado com os pobres é pessoal, livre e alegre. O socialismo substitui isso pela coerção. Você não é mais livre para dar; o estado tira de você e redistribui. Isso mina a virtude cristã da caridade, transformando-a em uma obrigação fiscal impessoal." Referência: Argumento desenvolvido no mesmo podcast, Ask Pastor John, "Is Socialism a Christian Ideal?".

    16.   Sobre a Solução Final para a Injustiça:

"Nenhum sistema político ou econômico—capitalismo, socialismo, comunismo—pode criar um paraíso na terra, porque o pecado humano irá corromper todos eles. A esperança cristã não está em um sistema humano, mas no retorno do Rei Jesus, que estabelecerá a justiça perfeita." Referência: Esta é uma síntese do pensamento de Piper sobre política, expressa em vários sermões sobre o Reino de Deus e a soberania divina. Ele constantemente aponta para a solução escatológica (a Segunda Vinda de Cristo) como a verdadeira esperança, em contraste com as utopias seculares.

 

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