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Refutação da Eleição por Presciência

 




A Refutação da Eleição por Presciência: Uma Análise da Soberania Divina na Escolha Incondicional

Autor: Luciano Leite


Resumo

Este artigo aborda a divergência teológica entre as doutrinas Calvinista e Arminiana acerca da eleição divina. A perspectiva Arminiana, que postula uma eleição baseada na presciência de Deus sobre a fé futura do indivíduo, é examinada e refutada com base em uma análise exegética e teológica dos textos bíblicos e de autores de referência. Argumenta-se que a doutrina bíblica da eleição é um ato soberano, incondicional e monergístico de Deus, fundamentado em Seu beneplácito e graça, e não em qualquer mérito ou ação prevista no homem. A fé não é a causa da eleição, mas sim o seu resultado e evidência. O artigo explora a terminologia-chave — eleição, predestinação e presciência — e conclui que a visão da eleição incondicional é a que melhor se harmoniza com o testemunho geral das Escrituras, exaltando a glória de Deus na salvação.

Palavras-chave: Eleição Incondicional, Presciência, Soberania Divina, Graça Soberana, Calvinismo, Arminianismo, Predestinação.


1. Introdução

A doutrina da salvação (soteriologia) é um dos pilares da fé cristã, e dentro dela, o conceito da eleição divina tem sido fonte de intenso debate. Como Deus escolhe aqueles que serão salvos? A resposta a essa pergunta divide, de forma geral, duas grandes correntes teológicas: a Arminiana e a Calvinista (ou Reformada).

A doutrina Arminiana sustenta que a eleição é condicional, baseada na presciência de Deus. Nesta visão, Deus, olhando através do corredor do tempo, prevê quem, por seu livre-arbítrio, escolherá crer em Cristo, e então os elege para a salvação com base nessa fé prevista. A escolha humana, portanto, é logicamente anterior à escolha divina.

Em contrapartida, a doutrina Reformada defende a eleição incondicional. Ela afirma que a escolha de Deus não se baseia em qualquer mérito, obra ou fé prevista no homem, mas emana unicamente do beneplácito e da vontade soberana de Deus (Efésios 1:5, 11). A fé e o arrependimento não são as condições para a eleição, mas os dons graciosos de Deus que se seguem a ela e são seus resultados certos.

Este artigo se propõe a refutar a doutrina da eleição por presciência, argumentando que ela não se sustenta diante de uma análise cuidadosa das Escrituras. Demonstraremos que o conceito bíblico de "presciência" é mal interpretado pela visão Arminiana e que a soberania de Deus na salvação, conforme revelada, aponta para uma eleição incondicional que exalta plenamente a Sua graça.

2. Análise da Terminologia: Eleição, Predestinação e a Redefinição de Presciência

Para uma discussão clara, é fundamental definir os termos-chave.

  • Eleição: Enfatiza a livre escolha divina de indivíduos para a salvação. O apóstolo Paulo utiliza o verbo na voz média, indicando que a escolha de Deus foi feita para Seus próprios propósitos (1 Coríntios 1:27–28; Efésios 1:4). A eleição é, por definição, um ato de selecionar alguns dentre um grupo maior, o que implica que "os outros não sejam escolhidos, ou deixados de lado" [3]. Ela é individual e ocorreu "antes da fundação do mundo" (Efésios 1:4).
  • Predestinação: Do grego proorizo, significa "marcar com antecedência" ou determinar o destino previamente. Biblicamente, a predestinação se aplica aos eleitos, assegurando seu destino final: serem conformes à imagem de Cristo (Romanos 8:29), para a adoção de filhos (Efésios 1:5) e para uma herança (Efésios 1:11). Ela garante que o propósito de Deus para os Seus escolhidos não falhará.
  • Presciência (Pré-conhecimento): Este é o ponto central do debate. Na perspectiva Calvinista (monergista), a "presciência" (proginosko) no contexto bíblico não significa um mero saber antecipado de eventos ou ações humanas (como a fé prevista), mas sim um conhecimento íntimo e afetivo de pessoas, uma escolha prévia baseada no amor e propósito de Deus.

      • Não é mero saber informacional: A presciência não é Deus "prevendo" o que o homem fará. É um ato divino de escolha e propósito. Deus conhece o futuro de forma absoluta porque Ele o ordenou.
      • É um ato divino de escolha: A presciência é definida como um ato de Deus, não um mero atributo passivo. É o prévio amor ou a prévia escolha de Seu povo.
      • Foco em "quem" e não "o quê": Passagens como Romanos 8:29 ("Pois aqueles que de antemão conheceu...") e 1 Pedro 1:2 ("eleitos segundo a presciência de Deus Pai...") referem-se a indivíduos que Deus conheceu de antemão de forma pessoal, ou seja, amou e escolheu, e não a atos ou inclinações previstas desses indivíduos [5, 14].
      • Exemplos Bíblicos: A "presciência" da morte de Cristo (1 Pedro 1:20; Atos 2:23) não significa que Deus apenas previu a crucificação, mas que Ele a preordenou e propôs soberanamente em Seu "determinado conselho". Da mesma forma, a escolha de Israel por Deus não foi baseada em uma previsão de seu desejo de ser escolhido, mas em Seu próprio propósito soberano.

3. A Inconsistência da Eleição Baseada na Presciência Arminiana

A visão arminiana da eleição baseada na presciência, que sustenta que a escolha de Deus para a salvação é condicionada pelo Seu conhecimento prévio de quem aceitará a Cristo, apresenta diversas inconsistências teológicas e lógicas. Em essência, nesta visão:

  • O homem tem a iniciativa de desejar aceitar a Cristo.
  • Deus observa o futuro e prevê essa escolha.
  • Deus então elege aqueles que Ele prevê que O escolherão.
  • A eleição, portanto, é condicionada pelo desejo humano, e a soberania final reside no livre-arbítrio do homem.

Essa estrutura é refutada pelos seguintes pontos:

a) Compromete a Doutrina da Depravação Total: A Escritura ensina que o homem natural está "morto em seus delitos e pecados" (Efésios 2:1) e sua mente é "inimizade contra Deus" (Romanos 8:7). Se o homem é espiritualmente incapaz de buscar a Deus, o que Deus poderia prever em seu coração senão incredulidade? Para que Deus previsse fé em alguém, Ele teria que prever Sua própria obra de graça, o que nos leva de volta à eleição soberana. Se a fé fosse a causa da eleição, o pecador teria algo de que se gloriar, o que as Escrituras negam enfaticamente (Efésios 2:9).

b) Inverte a Ordem Bíblica da Salvação: A Bíblia consistentemente apresenta a fé e a santidade como o resultado da eleição, não a sua causa. A "cadeia da salvação" em Romanos 8:29-30 demonstra uma ordem divina inalterável: os que Deus "conheceu de antemão" (elegeu), também "predestinou", "chamou", "justificou" e "glorificou". O chamado eficaz nasce da predestinação, e não o contrário. Somos eleitos "para sermos santos" (Efésios 1:4) e "para a obediência" (1 Pedro 1:2), não porque Deus previu que seríamos.

c) Esvazia o Significado da Graça Incondicional: Se a eleição depende de uma resposta humana prevista, o fator decisivo repousa no homem, tornando a salvação, em última análise, meritória. Isso contradiz o ensino de Paulo de que a eleição prevalece "não por obras, mas por aquele que chama" (Romanos 9:11). A graça, para ser verdadeiramente graça, deve ser favor imerecido, baseada unicamente na soberana boa vontade de Deus (Romanos 11:5).

4. A Evidência Bíblica da Eleição Soberana: Causa, Não Efeito

A Escritura apresenta a eleição como a causa da fé, um ato enraizado na vontade soberana de Deus.

  • Romanos 9: Este é o capítulo mais explícito sobre o tema. Paulo usa o exemplo de Jacó e Esaú para ilustrar que a escolha divina não se baseou em obras ou caráter, pois foi feita antes que eles nascessem (v. 11). A conclusão é taxativa: "Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia" (v. 16).
  • Efésios 1: A eleição é descrita como sendo "segundo o beneplácito de sua vontade" (v. 5) e de acordo com "o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade" (v. 11). A fonte da eleição é interna a Deus, não externa, em uma ação humana.
  • João 6: Jesus afirma que a vinda do pecador a Ele é resultado da ação soberana do Pai. "Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim" (v. 37). E mais enfaticamente: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o trouxer" (v. 44). A vinda a Cristo não é uma possibilidade autônoma do homem, mas um resultado da atração divina.

5. Respondendo às Objeções

A doutrina da eleição incondicional frequentemente levanta objeções, que os textos apresentados respondem de forma consistente.

  • Nega a Soberania de Deus? Pelo contrário, a visão arminiana é que limita a soberania, fazendo de Deus um mero "ratificador" da decisão humana. A doutrina da eleição incondicional afirma que Deus é verdadeiramente soberano em salvar a quem Ele deseja, por Sua própria misericórdia.
  • Torna Deus Injusto? A objeção da injustiça é respondida com a analogia do oleiro e do barro (Romanos 9:21). A salvação não é uma questão de justiça, mas de misericórdia. Deus não deve a salvação a ninguém. Aqueles que se perdem o fazem por causa de seus próprios pecados, recebendo justiça, enquanto os salvos recebem uma misericórdia que não mereciam.
  • Malinterpreta "Mundo" e "Todos"? Passagens como João 3:16 e 2 Pedro 3:9 não são contraditórias. Os termos "mundo" e "todos" frequentemente se referem à universalidade da salvação (para judeus e gentios, sem distinção de classe social) e não a cada indivíduo sem exceção. A vontade de Deus de que "todos" venham ao arrependimento é Sua vontade de propósito em relação aos Seus eleitos, ou seja, Ele é longânimo até que todos os Seus escolhidos sejam salvos.
  • Anula o "Quem Quiser" e a Responsabilidade Humana? O convite "quem quiser" é genuíno, mas não implica na capacidade natural do homem decaído de vir a Cristo. A vontade humana, em seu estado caído, é livre apenas para o mal. A vinda a Cristo é resultado de uma mente renovada pela graça divina. O chamado geral do Evangelho é universal, mas o chamado eficaz do Espírito Santo, que cria a fé, é para os eleitos. Deus decreta os fins e também os meios, e a resposta humana responsável é um desses meios ordenados.
  • Destrói o Evangelismo e Leva ao Fatalismo? Historicamente e teologicamente, o oposto é verdadeiro. A eleição garante que o evangelismo terá fruto, pois Deus tem um povo que Ele certamente salvará através da pregação. Grandes missionários, como William Carey, eram firmes defensores desta doutrina. Ela não leva ao fatalismo apático, mas à ação em obediência ao mandamento de Deus, com a confiança de que o poder para salvar reside Nele, não em nossa persuasão.

6. Conclusão

A doutrina da eleição divina com base na presciência, embora popular, falha em se sustentar diante de uma análise bíblica mais profunda. Ela se apoia numa definição de "presciência" que ignora seu significado relacional e ativo, inverte a ordem bíblica de causa e efeito entre eleição e fé, e, em última instância, transfere o mérito da salvação de Deus para o homem.

A visão bíblica, por outro lado, apresenta uma eleição gloriosa, soberana e incondicional, que flui do amor e do propósito eterno de Deus. Ela é a única visão que honra plenamente a depravação humana, a soberania divina e a natureza da graça. A fé não é a causa da eleição, mas seu fruto precioso. Essa doutrina não deve gerar orgulho ou fatalismo, mas sim profunda humildade, segurança inabalável e adoração extravagante ao Deus que nos escolheu, não porque previu algo bom em nós, mas unicamente por Sua maravilhosa graça.

"Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! [...] Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!" (Romanos 11:33, 36).


Algumas perguntas necessárias para defensores da “Eleição por Presciência”

Perguntas Sobre a Natureza de Deus (Soberania e Onisciência)

1.    Sobre a Soberania de Deus: Se a decisão final da salvação pertence ao "livre-arbítrio" do homem, em que sentido Deus é verdadeiramente soberano sobre a salvação? Ele não se torna um espectador que apenas reage à escolha humana, em vez de ser o Autor e Consumador da fé?

2.    O Dilema da Onisciência e da Liberdade: Se Deus, na eternidade passada, previu com 100% de certeza que você creria, o seu ato de crer era, de fato, contingente? Você poderia ter escolhido não crer, contradizendo assim o conhecimento infalível de Deus? Se você não podia fazer diferente (pois isso tornaria o conhecimento de Deus falível), em que sentido sua vontade era genuinamente "livre" para escolher o contrário?

3.    O Objeto da Presciência: O que, exatamente, Deus previu?

·       a) Ele previu um ato de fé surgindo espontaneamente no coração de um pecador? Se sim, como isso é compatível com a depravação total?

·       b) Ou Ele previu o resultado de Sua própria graça preveniente? Se foi isso, por que essa mesma graça preveniente, oferecida a todos, é eficaz em alguns e resistida por outros, se todos são igualmente depravados por natureza? Essa graça preveniente regenera o homem? Se não regenera, todos continuam em depravação total? E como creem nesse estado?

Perguntas Sobre a Natureza do Homem (Depravação e Livre-Arbítrio)

4.    O Problema da Depravação Total: As Escrituras afirmam que o homem natural está "morto em seus delitos e pecados" (Efésios 2:1) e que sua mente é "inimizade contra Deus" (Romanos 8:7). Como uma pessoa espiritualmente morta e fundamentalmente hostil a Deus pode, por si mesma, iniciar ou gerar um ato de fé salvadora, que é um ato de submissão, amor e confiança em Deus?

5.    A Origem da Decisão "Correta": Se a salvação depende da escolha do indivíduo, e duas pessoas igualmente depravadas recebem a mesma medida de graça preveniente, por que uma crê e a outra não? A diferença final reside em algo intrinsecamente melhor, mais sábio ou mais humilde na pessoa que crê? Se sim, isso não introduz um elemento de mérito humano e dá ao crente uma base para se gloriar sobre o incrédulo?

Perguntas Sobre a Natureza da Salvação (Graça e Fé)

6.    A Fé como "Obra": Efésios 2:8-9 diz que a salvação é pela graça, mediante a fé, e "isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie". Se a fé é a contribuição decisiva do homem que move Deus a elegê-lo, como ela não funciona, na prática, como uma "obra" meritória que distingue o crente do incrédulo, dando-lhe motivo para se gloriar?

7.    Invertendo Causa e Efeito: A Bíblia diz que somos eleitos "para sermos santos" (Efésios 1:4) e "para a obediência" (1 Pedro 1:2). Se a presciência da nossa fé e obediência é a base para a eleição, como isso não inverte a ordem de causa e efeito claramente estabelecida nesses textos, fazendo com que o efeito (fé) se torne a causa da sua própria causa (eleição)?

Perguntas Sobre a Exegese de Textos-Chave

8.    O Desafio de Romanos 9: Como a visão da eleição por presciência explica Romanos 9:11-13, onde Paulo afirma explicitamente que a escolha de Jacó sobre Esaú foi feita "antes que tivessem nascido ou feito bem ou mal", com o propósito de que a eleição "prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama"? Se a presciência da fé ou das obras fosse a base, por que Paulo não usou esse argumento simples para responder à objeção da injustiça de Deus (v. 14), em vez de apelar para a soberania do Oleiro sobre o barro?

9.    O Testemunho de Jesus em João 6: Em João 6:44 e 6:65, Jesus afirma que "ninguém pode vir a mim se o Pai... não o trouxer" e se "pelo Pai não lhe for concedido". Como essa linguagem de incapacidade humana e concessão divina se harmoniza com a ideia de que a vinda a Cristo é primariamente uma decisão autônoma do livre-arbítrio humano?

10.   A Conclusão de Atos 13:48: Este versículo afirma que "creram todos os que haviam sido designados para a vida eterna". A sua interpretação não leria o texto ao contrário, como se dissesse: "foram designados para a vida eterna todos os que Deus previu que creriam"? Qual leitura é mais natural ao texto grego?

Perguntas Lógicas e Práticas

11.   O Conhecimento de Deus sobre o Possível: Em Mateus 11:21, Jesus afirma que Tiro e Sidom teriam se arrependido se tivessem visto os mesmos milagres que Corazim e Betsaida. Isso não demonstra que Deus possui conhecimento do que aconteceria sob diferentes circunstâncias (conhecimento médio) e, ainda assim, soberanamente escolhe não prover essas circunstâncias salvíficas a todos, refutando a ideia de que Ele meramente observa passivamente a escolha humana em um único futuro possível?

12.   A Lógica da Oração Intercessória: Quando você ora pela salvação de um ente querido, o que exatamente você está pedindo a Deus?

·       a) Você está pedindo que Deus anule o livre-arbítrio dessa pessoa e a salve irresistivelmente?

·       b) Ou está pedindo que Ele apenas forneça mais informações e oportunidades, esperando que a pessoa faça a escolha certa por si mesma? Se Deus não pode ou não irá interferir na decisão final da vontade de uma pessoa (para não violar o livre-arbítrio), qual é o verdadeiro poder e o propósito da oração intercessória pela salvação de alguém?

Sobre o Caráter e a Glória de Deus

   13.   O Problema do Amor e da Criação: Se Deus é perfeitamente amoroso e deseja que todos sejam salvos, e ao mesmo tempo sabe de antemão, com certeza absoluta, que bilhões de pessoas que Ele criará escolherão livremente a perdição eterna, por que Ele as cria? Um amor perfeito não se absteria de criar alguém para um destino de tormento que Ele conhece de antemão?

   14.   A Base da Glória de Deus: Em que, exatamente, a glória de Deus é mais magnificada na visão da presciência? É na autonomia da vontade humana que finalmente escolhe o bem, ou na graça soberana de Deus que resgata e transforma uma vontade rebelde? Se a decisão final é do homem, a glória da salvação não é, em última instância, compartilhada entre a graça de Deus e a sabedoria da criatura que fez a escolha certa?

Sobre a Obra de Cristo e do Espírito Santo

   15.   A Eficácia da Expiação de Cristo: Se Cristo morreu na cruz igualmente por todas as pessoas, pagando a penalidade por seus pecados, por que essa expiação não é eficaz para salvar a todos? O que impede a salvação daqueles por quem Cristo morreu? Se a resposta é "a incredulidade deles", isso não significa que o poder da vontade humana (em rejeitar) é, no final, maior do que o poder do sacrifício de Cristo (em salvar)?

   16.   A Natureza da Obra do Espírito Santo: Qual é a natureza exata do chamado do Espírito Santo no coração de uma pessoa que, no final, não crê e se perde?

a) O Espírito Santo tentou regenerar essa pessoa, mas falhou, sendo derrotado pela vontade humana?

b) Ou Ele apenas a "convidou" sem um poder regenerador real, tornando Seu chamado fundamentalmente diferente para o incrédulo e para o crente? Se Sua obra é frustrada em alguns, podemos realmente dizer que Ele é Deus soberano?

Sobre a Segurança e a Vida Cristã

17. A Fonte da Segurança do Crente: Se a minha eleição foi condicionada à minha fé prevista, a minha salvação final não é, logicamente, condicionada à minha perseverança prevista? Se a minha vontade livre foi o fator decisivo para entrar na salvação, por que ela não seria o fator decisivo para permanecer nela ou para cair dela? De onde vem a verdadeira segurança do crente: da imutabilidade do propósito de Deus ou da estabilidade da minha própria vontade?

18. A Causa das Circunstâncias: Deus não apenas prevê o ato final da fé, mas também prevê (e ordena soberanamente) todas as circunstâncias, experiências, pregações, relacionamentos e pensamentos que levam uma pessoa a ter fé. Se Deus soberanamente arranja todas essas causas secundárias na vida de uma pessoa que Ele sabe que a levarão a crer, enquanto não arranja o mesmo conjunto de circunstâncias para outra, em que sentido a eleição não é, em última análise, determinada por Ele mesmo, apenas com mais passos intermediários?

O Grande Dilema

A doutrina da eleição por presciência afirma que a escolha de Deus se baseia em Sua previsão da fé do indivíduo. Isso levanta uma questão crucial sobre o alcance e as implicações dessa presciência ao longo de toda a vida do crente. Podemos, então, perguntar:

1. O Problema da Perseverança Prevista:

A presciência de Deus se limita a prever o ato inicial da fé, ou ela necessariamente abrange toda a trajetória espiritual da pessoa, incluindo sua perseverança final?

  • Se Deus prevê que uma pessoa não apenas crerá, mas também perseverará até o fim, em que momento e com que propósito Deus realiza o ato de 'eleger'? Sua eleição não se torna uma mera ratificação de um resultado que, em Sua onisciência, Ele já sabe que está garantido pelas ações futuras da pessoa? Nesse caso, a 'escolha' de Deus não perde seu significado ativo?

2. O Problema da Apostasia Prevista:

Alternativamente, se a presciência de Deus revela que um indivíduo crerá por um tempo, mas depois cairá da fé de forma definitiva (apostasia), qual seria a lógica de Deus em 'elegê-lo para a salvação' com base na sua fé inicial?

  • Tal eleição não seria contraditória, ineficaz ou até mesmo sem propósito, já que Deus saberia desde a eternidade que a salvação final não ocorreria? Por que Deus elegeria alguém para um fim que Ele sabe que não será alcançado?

3. A Implicação para a Segurança da Salvação:

Essa questão não expõe uma tensão fundamental na doutrina da segurança da salvação dentro deste sistema? Se a eleição depende da fé prevista e, por extensão, da perseverança prevista, a segurança do crente não repousa, em última análise, na capacidade prevista de sua própria vontade de permanecer fiel, em vez de repousar no propósito imutável e soberano de Deus que o preserva?


Porque é "difícil" de responder:

  • Cria um Dilema (Duas Vias): Ela força o defensor da presciência a escolher entre dois cenários igualmente problemáticos para sua visão: a eleição se torna ou redundante (se prevê perseverança) ou ineficaz (se prevê apostasia).
  • Usa Terminologia Precisa: Termos como "ato inicial da fé", "perseverança final", "apostasia" e "propósito imutável" tornam a pergunta mais robusta teologicamente e mais difícil de contornar com respostas vagas.
  • Conecta à Doutrina da Segurança: A terceira pergunta leva a discussão do campo teórico (como Deus elege) para o campo prático e pastoral (como o crente pode ter certeza da salvação), mostrando que a base da eleição afeta diretamente a fonte da segurança cristã.

Essas perguntas forçam o defensor da presciência a ir além da simples afirmação "Deus previu a fé" e a lidar com as consequências lógicas de uma presciência completa sobre toda a vida do indivíduo.

 


 

Referências

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[4] Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Romanos. Trad. Heloisa Cavallari, Márcio Santana Sobrinho, e Mary Lane. 1ª edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011.

[5] Frame, John M. A Doutrina de Deus. Trad. Odayr Olivetti e Vagner Barbosa. 1ª edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2013.

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[10] Thorsen, Don. Calvino versus Wesley: Duas Teologias em Questão. Trad. Wellington Carvalho Mariano. 1ª edição. Natal, RN: Editora Carisma, 2018.

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[12] Clark, Gordon H. Deus e o Mal: O Problema Resolvido. Trad. Marcos José Soares de Vasconcelos. 2ª edição. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2014.

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[14] Yuille, J. Stephen. Uma Esperança Adiada: A Adoção e a Paternidade de Deus. Org. Manoel Canuto. Trad. Hélio Kirchheim. Primeira edição. Recife, PE: Os Puritanos, 2014.

[15] Osborne, Grant R. Carta aos Romanos. Trad. Renato Cunha. Primeira edição. São Paulo: Editora Carisma, 2022.

[16] Turretini, François. Compêndio de Teologia Apologética. Org. Odayr Olivetti, Denice Ceron, e Paulo Arantes. 1ª edição. Vol. 1. Cambuci; São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2010.

[17] Sproul, R. C. Posso Saber se Sou Salvo?. Org. Tiago J. Santos Filho. Trad. Francisco Wellington Ferreira. 1ª Edição. Vol. 7. São José dos Campos, SP: Editora FIEL, 2013.

[18] Sproul, R. C. Somos Todos Teólogos: Uma Introdução à Teologia Sistemática. Org. Tiago J. Santos Filho. Trad. Francisco Wellington Ferreira. Primeira Edição. São José dos Campos, SP: Editora FIEL, 2017.

 

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