A
Refutação da Eleição por Presciência: Uma Análise da Soberania Divina na
Escolha Incondicional
Autor: Luciano
Leite
Resumo
Este
artigo aborda a divergência teológica entre as doutrinas Calvinista e Arminiana
acerca da eleição divina. A perspectiva Arminiana, que postula uma eleição
baseada na presciência de Deus sobre a fé futura do indivíduo, é examinada e
refutada com base em uma análise exegética e teológica dos textos bíblicos e de
autores de referência. Argumenta-se que a doutrina bíblica da eleição é um ato
soberano, incondicional e monergístico de Deus, fundamentado em Seu beneplácito
e graça, e não em qualquer mérito ou ação prevista no homem. A fé não é a causa
da eleição, mas sim o seu resultado e evidência. O artigo explora a
terminologia-chave — eleição, predestinação e presciência — e conclui que a
visão da eleição incondicional é a que melhor se harmoniza com o testemunho
geral das Escrituras, exaltando a glória de Deus na salvação.
Palavras-chave:
Eleição Incondicional, Presciência, Soberania Divina, Graça Soberana,
Calvinismo, Arminianismo, Predestinação.
1.
Introdução
A
doutrina da salvação (soteriologia) é um dos pilares da fé cristã, e dentro
dela, o conceito da eleição divina tem sido fonte de intenso debate. Como Deus
escolhe aqueles que serão salvos? A resposta a essa pergunta divide, de forma
geral, duas grandes correntes teológicas: a Arminiana e a Calvinista (ou
Reformada).
A
doutrina Arminiana sustenta que a eleição é condicional, baseada
na presciência de Deus. Nesta visão, Deus, olhando através do corredor do
tempo, prevê quem, por seu livre-arbítrio, escolherá crer em Cristo, e então os
elege para a salvação com base nessa fé prevista. A escolha humana, portanto, é
logicamente anterior à escolha divina.
Em
contrapartida, a doutrina Reformada defende a eleição incondicional. Ela afirma
que a escolha de Deus não se baseia em qualquer mérito, obra ou fé prevista no
homem, mas emana unicamente do beneplácito e da vontade soberana de Deus
(Efésios 1:5, 11). A fé e o arrependimento não são as condições para a eleição,
mas os dons graciosos de Deus que se seguem a ela e são seus resultados certos.
Este
artigo se propõe a refutar a doutrina da eleição por presciência, argumentando
que ela não se sustenta diante de uma análise cuidadosa das Escrituras.
Demonstraremos que o conceito bíblico de "presciência" é mal
interpretado pela visão Arminiana e que a soberania de Deus na salvação,
conforme revelada, aponta para uma eleição incondicional que exalta plenamente
a Sua graça.
2.
Análise da Terminologia: Eleição, Predestinação e a Redefinição de Presciência
Para
uma discussão clara, é fundamental definir os termos-chave.
- Eleição:
Enfatiza a livre escolha divina de indivíduos para a salvação. O apóstolo
Paulo utiliza o verbo na voz média, indicando que a escolha de Deus foi
feita para Seus próprios propósitos (1 Coríntios 1:27–28; Efésios 1:4). A
eleição é, por definição, um ato de selecionar alguns dentre um grupo
maior, o que implica que "os outros não sejam escolhidos, ou deixados
de lado" [3]. Ela é individual e ocorreu "antes da fundação do
mundo" (Efésios 1:4).
- Predestinação:
Do grego proorizo, significa "marcar com antecedência" ou
determinar o destino previamente. Biblicamente, a predestinação se aplica
aos eleitos, assegurando seu destino final: serem conformes à imagem de
Cristo (Romanos 8:29), para a adoção de filhos (Efésios 1:5) e para uma
herança (Efésios 1:11). Ela garante que o propósito de Deus para os Seus
escolhidos não falhará.
- Presciência (Pré-conhecimento): Este é o ponto central do debate. Na perspectiva Calvinista (monergista), a "presciência" (proginosko) no contexto bíblico não significa um mero saber antecipado de eventos ou ações humanas (como a fé prevista), mas sim um conhecimento íntimo e afetivo de pessoas, uma escolha prévia baseada no amor e propósito de Deus.
- Não
é mero saber informacional: A presciência não é
Deus "prevendo" o que o homem fará. É um ato divino de escolha
e propósito. Deus conhece o futuro de forma absoluta porque Ele o
ordenou.
- É
um ato divino de escolha: A presciência é
definida como um ato de Deus, não um mero atributo passivo. É o prévio
amor ou a prévia escolha de Seu povo.
- Foco
em "quem" e não "o quê":
Passagens como Romanos 8:29 ("Pois aqueles que de antemão
conheceu...") e 1 Pedro 1:2 ("eleitos segundo a presciência de
Deus Pai...") referem-se a indivíduos que Deus conheceu de antemão
de forma pessoal, ou seja, amou e escolheu, e não a atos ou inclinações
previstas desses indivíduos [5, 14].
- Exemplos
Bíblicos: A "presciência" da morte de
Cristo (1 Pedro 1:20; Atos 2:23) não significa que Deus apenas previu a
crucificação, mas que Ele a preordenou e propôs soberanamente em Seu
"determinado conselho". Da mesma forma, a escolha de Israel por
Deus não foi baseada em uma previsão de seu desejo de ser escolhido, mas
em Seu próprio propósito soberano.
3. A
Inconsistência da Eleição Baseada na Presciência Arminiana
A
visão arminiana da eleição baseada na presciência, que sustenta que a escolha
de Deus para a salvação é condicionada pelo Seu conhecimento prévio de quem
aceitará a Cristo, apresenta diversas inconsistências teológicas e lógicas. Em
essência, nesta visão:
- O homem tem a
iniciativa de desejar aceitar a Cristo.
- Deus observa o
futuro e prevê essa escolha.
- Deus então elege
aqueles que Ele prevê que O escolherão.
- A eleição,
portanto, é condicionada pelo desejo humano, e a soberania final reside no
livre-arbítrio do homem.
Essa
estrutura é refutada pelos seguintes pontos:
a)
Compromete a Doutrina da Depravação Total: A Escritura ensina que
o homem natural está "morto em seus delitos e pecados" (Efésios 2:1)
e sua mente é "inimizade contra Deus" (Romanos 8:7). Se o homem é
espiritualmente incapaz de buscar a Deus, o que Deus poderia prever em seu coração
senão incredulidade? Para que Deus previsse fé em alguém, Ele teria que prever
Sua própria obra de graça, o que nos leva de volta à eleição soberana. Se a fé
fosse a causa da eleição, o pecador teria algo de que se gloriar, o que as
Escrituras negam enfaticamente (Efésios 2:9).
b)
Inverte a Ordem Bíblica da Salvação: A Bíblia consistentemente
apresenta a fé e a santidade como o resultado da eleição, não a sua causa.
A "cadeia da salvação" em Romanos 8:29-30 demonstra uma ordem divina
inalterável: os que Deus "conheceu de antemão" (elegeu), também
"predestinou", "chamou", "justificou" e
"glorificou". O chamado eficaz nasce da predestinação, e não o
contrário. Somos eleitos "para sermos santos" (Efésios 1:4) e
"para a obediência" (1 Pedro 1:2), não porque Deus previu que
seríamos.
c)
Esvazia o Significado da Graça Incondicional: Se a eleição depende
de uma resposta humana prevista, o fator decisivo repousa no homem, tornando a
salvação, em última análise, meritória. Isso contradiz o ensino de Paulo de que
a eleição prevalece "não por obras, mas por aquele que chama" (Romanos
9:11). A graça, para ser verdadeiramente graça, deve ser favor imerecido,
baseada unicamente na soberana boa vontade de Deus (Romanos 11:5).
4. A
Evidência Bíblica da Eleição Soberana: Causa, Não Efeito
A
Escritura apresenta a eleição como a causa da fé, um ato enraizado na vontade
soberana de Deus.
- Romanos 9:
Este é o capítulo mais explícito sobre o tema. Paulo usa o exemplo de Jacó
e Esaú para ilustrar que a escolha divina não se baseou em obras ou
caráter, pois foi feita antes que eles nascessem (v. 11). A conclusão é
taxativa: "Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre,
mas de usar Deus a sua misericórdia" (v. 16).
- Efésios 1:
A eleição é descrita como sendo "segundo o beneplácito de sua
vontade" (v. 5) e de acordo com "o propósito daquele que faz
todas as coisas conforme o conselho da sua vontade" (v. 11). A fonte
da eleição é interna a Deus, não externa, em uma ação humana.
- João 6:
Jesus afirma que a vinda do pecador a Ele é resultado da ação soberana do
Pai. "Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim" (v. 37). E
mais enfaticamente: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou,
não o trouxer" (v. 44). A vinda a Cristo não é uma possibilidade
autônoma do homem, mas um resultado da atração divina.
5.
Respondendo às Objeções
A
doutrina da eleição incondicional frequentemente levanta objeções, que os
textos apresentados respondem de forma consistente.
- Nega a Soberania
de Deus? Pelo contrário, a visão arminiana é que
limita a soberania, fazendo de Deus um mero "ratificador" da
decisão humana. A doutrina da eleição incondicional afirma que Deus é
verdadeiramente soberano em salvar a quem Ele deseja, por Sua própria misericórdia.
- Torna Deus
Injusto? A objeção da injustiça é respondida com a
analogia do oleiro e do barro (Romanos 9:21). A salvação não é uma questão
de justiça, mas de misericórdia. Deus não deve a salvação a ninguém.
Aqueles que se perdem o fazem por causa de seus próprios pecados, recebendo
justiça, enquanto os salvos recebem uma misericórdia que não mereciam.
- Malinterpreta
"Mundo" e "Todos"? Passagens como
João 3:16 e 2 Pedro 3:9 não são contraditórias. Os termos
"mundo" e "todos" frequentemente se referem à
universalidade da salvação (para judeus e gentios, sem distinção de classe
social) e não a cada indivíduo sem exceção. A vontade de Deus de que
"todos" venham ao arrependimento é Sua vontade de propósito em
relação aos Seus eleitos, ou seja, Ele é longânimo até que todos os Seus
escolhidos sejam salvos.
- Anula o "Quem
Quiser" e a Responsabilidade Humana?
O convite "quem quiser" é genuíno, mas não implica na capacidade
natural do homem decaído de vir a Cristo. A vontade humana, em seu estado
caído, é livre apenas para o mal. A vinda a Cristo é resultado de uma
mente renovada pela graça divina. O chamado geral do Evangelho é
universal, mas o chamado eficaz do Espírito Santo, que cria a fé, é para
os eleitos. Deus decreta os fins e também os meios, e a resposta humana
responsável é um desses meios ordenados.
- Destrói o
Evangelismo e Leva ao Fatalismo? Historicamente e
teologicamente, o oposto é verdadeiro. A eleição garante que o evangelismo
terá fruto, pois Deus tem um povo que Ele certamente salvará através da
pregação. Grandes missionários, como William Carey, eram firmes defensores
desta doutrina. Ela não leva ao fatalismo apático, mas à ação em
obediência ao mandamento de Deus, com a confiança de que o poder para
salvar reside Nele, não em nossa persuasão.
6.
Conclusão
A
doutrina da eleição divina com base na presciência, embora popular, falha em se
sustentar diante de uma análise bíblica mais profunda. Ela se apoia numa
definição de "presciência" que ignora seu significado relacional e
ativo, inverte a ordem bíblica de causa e efeito entre eleição e fé, e, em
última instância, transfere o mérito da salvação de Deus para o homem.
A
visão bíblica, por outro lado, apresenta uma eleição gloriosa, soberana e
incondicional, que flui do amor e do propósito eterno de Deus. Ela é a única
visão que honra plenamente a depravação humana, a soberania divina e a natureza
da graça. A fé não é a causa da eleição, mas seu fruto precioso. Essa doutrina
não deve gerar orgulho ou fatalismo, mas sim profunda humildade, segurança
inabalável e adoração extravagante ao Deus que nos escolheu, não porque previu
algo bom em nós, mas unicamente por Sua maravilhosa graça.
"Ó
profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão
insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! [...]
Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a
glória eternamente. Amém!" (Romanos 11:33, 36).
Algumas
perguntas necessárias para defensores da “Eleição por Presciência”
Perguntas
Sobre a Natureza de Deus (Soberania e Onisciência)
1. Sobre
a Soberania de Deus: Se a decisão final da salvação pertence ao
"livre-arbítrio" do homem, em que sentido Deus é verdadeiramente
soberano sobre a salvação? Ele não se torna um espectador que apenas reage à
escolha humana, em vez de ser o Autor e Consumador da fé?
2. O
Dilema da Onisciência e da Liberdade: Se Deus, na eternidade
passada, previu com 100% de certeza que você creria, o seu ato de crer era, de
fato, contingente? Você poderia ter escolhido não crer, contradizendo
assim o conhecimento infalível de Deus? Se você não podia fazer diferente (pois
isso tornaria o conhecimento de Deus falível), em que sentido sua vontade era
genuinamente "livre" para escolher o contrário?
3. O
Objeto da Presciência: O que, exatamente, Deus previu?
· a) Ele
previu um ato de fé surgindo espontaneamente no coração de um pecador? Se sim,
como isso é compatível com a depravação total?
· b) Ou
Ele previu o resultado de Sua própria graça preveniente? Se foi isso, por que
essa mesma graça preveniente, oferecida a todos, é eficaz em alguns e resistida
por outros, se todos são igualmente depravados por natureza? Essa graça
preveniente regenera o homem? Se não regenera, todos continuam em depravação
total? E como creem nesse estado?
Perguntas
Sobre a Natureza do Homem (Depravação e Livre-Arbítrio)
4. O
Problema da Depravação Total: As Escrituras afirmam que o
homem natural está "morto em seus delitos e pecados" (Efésios 2:1) e
que sua mente é "inimizade contra Deus" (Romanos 8:7). Como uma
pessoa espiritualmente morta e fundamentalmente hostil a Deus pode, por si
mesma, iniciar ou gerar um ato de fé salvadora, que é um ato de submissão, amor
e confiança em Deus?
5. A
Origem da Decisão "Correta": Se a salvação depende da escolha do
indivíduo, e duas pessoas igualmente depravadas recebem a mesma medida de graça
preveniente, por que uma crê e a outra não? A diferença final reside em algo
intrinsecamente melhor, mais sábio ou mais humilde na pessoa que crê? Se sim,
isso não introduz um elemento de mérito humano e dá ao crente uma base para se
gloriar sobre o incrédulo?
Perguntas
Sobre a Natureza da Salvação (Graça e Fé)
6. A Fé
como "Obra": Efésios 2:8-9 diz que a salvação é pela
graça, mediante a fé, e "isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras,
para que ninguém se glorie". Se a fé é a contribuição decisiva do homem
que move Deus a elegê-lo, como ela não funciona, na prática, como uma
"obra" meritória que distingue o crente do incrédulo, dando-lhe
motivo para se gloriar?
7. Invertendo
Causa e Efeito: A Bíblia diz que somos eleitos "para
sermos santos" (Efésios 1:4) e "para a obediência" (1
Pedro 1:2). Se a presciência da nossa fé e obediência é a base para a
eleição, como isso não inverte a ordem de causa e efeito claramente
estabelecida nesses textos, fazendo com que o efeito (fé) se torne a causa da
sua própria causa (eleição)?
Perguntas
Sobre a Exegese de Textos-Chave
8. O
Desafio de Romanos 9: Como a visão da eleição por presciência
explica Romanos 9:11-13, onde Paulo afirma explicitamente que a escolha de Jacó
sobre Esaú foi feita "antes que tivessem nascido ou feito bem ou
mal", com o propósito de que a eleição "prevalecesse, não por obras,
mas por aquele que chama"? Se a presciência da fé ou das obras fosse a
base, por que Paulo não usou esse argumento simples para responder à objeção da
injustiça de Deus (v. 14), em vez de apelar para a soberania do Oleiro sobre o
barro?
9. O
Testemunho de Jesus em João 6: Em João 6:44 e 6:65, Jesus
afirma que "ninguém pode vir a mim se o Pai... não o trouxer" e se
"pelo Pai não lhe for concedido". Como essa linguagem de incapacidade
humana e concessão divina se harmoniza com a ideia de que a vinda a Cristo é
primariamente uma decisão autônoma do livre-arbítrio humano?
10. A
Conclusão de Atos 13:48: Este versículo afirma que "creram
todos os que haviam sido designados para a vida eterna". A sua
interpretação não leria o texto ao contrário, como se dissesse: "foram
designados para a vida eterna todos os que Deus previu que creriam"? Qual
leitura é mais natural ao texto grego?
Perguntas
Lógicas e Práticas
11. O
Conhecimento de Deus sobre o Possível: Em Mateus 11:21, Jesus
afirma que Tiro e Sidom teriam se arrependido se tivessem visto os
mesmos milagres que Corazim e Betsaida. Isso não demonstra que Deus possui
conhecimento do que aconteceria sob diferentes circunstâncias (conhecimento
médio) e, ainda assim, soberanamente escolhe não prover essas circunstâncias
salvíficas a todos, refutando a ideia de que Ele meramente observa passivamente
a escolha humana em um único futuro possível?
12. A
Lógica da Oração Intercessória: Quando você ora pela
salvação de um ente querido, o que exatamente você está pedindo a Deus?
· a)
Você está pedindo que Deus anule o livre-arbítrio dessa pessoa e a salve
irresistivelmente?
· b) Ou
está pedindo que Ele apenas forneça mais informações e oportunidades, esperando
que a pessoa faça a escolha certa por si mesma? Se Deus não pode ou não irá
interferir na decisão final da vontade de uma pessoa (para não violar o
livre-arbítrio), qual é o verdadeiro poder e o propósito da oração
intercessória pela salvação de alguém?
Sobre o Caráter e a Glória de Deus
13. O Problema do Amor e da Criação: Se Deus é perfeitamente amoroso e deseja que todos sejam salvos, e ao mesmo tempo sabe de antemão, com certeza absoluta, que bilhões de pessoas que Ele criará escolherão livremente a perdição eterna, por que Ele as cria? Um amor perfeito não se absteria de criar alguém para um destino de tormento que Ele conhece de antemão?
14. A Base da Glória de Deus: Em que, exatamente, a glória de Deus é mais magnificada na visão da presciência? É na autonomia da vontade humana que finalmente escolhe o bem, ou na graça soberana de Deus que resgata e transforma uma vontade rebelde? Se a decisão final é do homem, a glória da salvação não é, em última instância, compartilhada entre a graça de Deus e a sabedoria da criatura que fez a escolha certa?
Sobre a Obra de Cristo e do Espírito Santo
15. A Eficácia da Expiação de Cristo: Se Cristo morreu na cruz igualmente por todas as pessoas, pagando a penalidade por seus pecados, por que essa expiação não é eficaz para salvar a todos? O que impede a salvação daqueles por quem Cristo morreu? Se a resposta é "a incredulidade deles", isso não significa que o poder da vontade humana (em rejeitar) é, no final, maior do que o poder do sacrifício de Cristo (em salvar)?
16. A Natureza da Obra do Espírito Santo: Qual é a natureza exata do chamado do Espírito Santo no coração de uma pessoa que, no final, não crê e se perde?
a) O Espírito Santo tentou regenerar essa
pessoa, mas falhou, sendo derrotado pela vontade humana?
b) Ou Ele apenas a "convidou" sem
um poder regenerador real, tornando Seu chamado fundamentalmente diferente para
o incrédulo e para o crente? Se Sua obra é frustrada em alguns, podemos
realmente dizer que Ele é Deus soberano?
Sobre
a Segurança e a Vida Cristã
17. A Fonte da Segurança do Crente: Se a minha eleição foi condicionada à minha fé prevista, a minha salvação final não é, logicamente, condicionada à minha perseverança prevista? Se a minha vontade livre foi o fator decisivo para entrar na salvação, por que ela não seria o fator decisivo para permanecer nela ou para cair dela? De onde vem a verdadeira segurança do crente: da imutabilidade do propósito de Deus ou da estabilidade da minha própria vontade?
18. A Causa das Circunstâncias: Deus não apenas prevê o ato final da fé, mas também prevê (e ordena soberanamente) todas as circunstâncias, experiências, pregações, relacionamentos e pensamentos que levam uma pessoa a ter fé. Se Deus soberanamente arranja todas essas causas secundárias na vida de uma pessoa que Ele sabe que a levarão a crer, enquanto não arranja o mesmo conjunto de circunstâncias para outra, em que sentido a eleição não é, em última análise, determinada por Ele mesmo, apenas com mais passos intermediários?
O
Grande Dilema
A
doutrina da eleição por presciência afirma que a escolha de Deus se baseia em
Sua previsão da fé do indivíduo. Isso levanta uma questão crucial sobre o
alcance e as implicações dessa presciência ao longo de toda a vida do crente.
Podemos, então, perguntar:
1. O
Problema da Perseverança Prevista:
A
presciência de Deus se limita a prever o ato inicial da fé, ou ela
necessariamente abrange toda a trajetória espiritual da pessoa, incluindo sua perseverança
final?
- Se Deus prevê que
uma pessoa não apenas crerá, mas também perseverará até o fim, em que
momento e com que propósito Deus realiza o ato de 'eleger'? Sua eleição
não se torna uma mera ratificação de um resultado que, em Sua onisciência,
Ele já sabe que está garantido pelas ações futuras da pessoa? Nesse caso,
a 'escolha' de Deus não perde seu significado ativo?
2. O
Problema da Apostasia Prevista:
Alternativamente,
se a presciência de Deus revela que um indivíduo crerá por um tempo, mas depois
cairá da fé de forma definitiva (apostasia), qual seria a lógica de Deus em
'elegê-lo para a salvação' com base na sua fé inicial?
- Tal eleição não
seria contraditória, ineficaz ou até mesmo sem propósito, já que Deus
saberia desde a eternidade que a salvação final não ocorreria? Por que
Deus elegeria alguém para um fim que Ele sabe que não será alcançado?
3. A
Implicação para a Segurança da Salvação:
Essa
questão não expõe uma tensão fundamental na doutrina da segurança da salvação
dentro deste sistema? Se a eleição depende da fé prevista e, por extensão, da
perseverança prevista, a segurança do crente não repousa, em última análise, na
capacidade prevista de sua própria vontade de permanecer fiel, em vez de
repousar no propósito imutável e soberano de Deus que o preserva?
Porque
é "difícil" de responder:
- Cria um Dilema
(Duas Vias): Ela força o defensor da presciência a escolher entre dois
cenários igualmente problemáticos para sua visão: a eleição se torna ou redundante
(se prevê perseverança) ou ineficaz (se prevê apostasia).
- Usa Terminologia
Precisa: Termos como "ato inicial da fé", "perseverança
final", "apostasia" e "propósito imutável" tornam
a pergunta mais robusta teologicamente e mais difícil de contornar com
respostas vagas.
- Conecta à Doutrina
da Segurança: A terceira pergunta leva a discussão do campo teórico (como
Deus elege) para o campo prático e pastoral (como o crente pode ter
certeza da salvação), mostrando que a base da eleição afeta diretamente a
fonte da segurança cristã.
Essas
perguntas forçam o defensor da presciência a ir além da simples afirmação
"Deus previu a fé" e a lidar com as consequências lógicas de uma
presciência completa sobre toda a vida do indivíduo.
Referências
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