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BATISMO POR ASPERSÃO – O QUE A BÍBLIA TEM A DIZER

A Legitimidade do Batismo por Aspersão: Uma Defesa Bíblica e Reformada

A Legitimidade do Batismo por Aspersão

Uma Defesa Bíblica e Reformada

O modo de administrar o batismo — seja por imersão, aspersão ou efusão (derramamento) — tem sido um ponto de debate na história da igreja. Enquanto alguns grupos cristãos defendem a imersão como o único modo válido, a tradição Reformada, juntamente com grande parte da cristandade histórica, sustenta que a aspersão é uma forma bíblica, teologicamente rica e perfeitamente legítima de administrar esta ordenança. Este artigo visa demonstrar, com base nas Escrituras, na teologia e na história da igreja, que o batismo por aspersão não é apenas uma questão de conveniência, mas uma prática com sólidos fundamentos.

A Palavra e Seu Significado

Um dos principais argumentos contra a aspersão reside na interpretação da palavra grega baptizo (βαπτίζω) como significando exclusivamente "imergir". No entanto, uma análise mais cuidadosa do uso da palavra no Novo Testamento e em outros textos da época revela um campo semântico mais amplo. O teólogo François Turretini observa que baptizo "se refere não apenas à imersão, mas também à aspersão".¹ Exemplos bíblicos confirmam isso. Em Marcos 7:4 e Lucas 11:38, a palavra é usada para descrever lavagens cerimoniais judaicas de mãos e utensílios, rituais que eram realizados por aspersão ou derramamento de água, não por imersão total.

O teólogo Lewis Sperry Chafer reforça que o termo já havia adquirido um significado amplo de "purificação cerimonial" séculos antes da era cristã, efetuada por aspersão ou efusão.⁸ Assim, reduzir baptizo a um único modo de aplicação de água é ignorar seu uso flexível na própria Escritura.

Fundamentos no Antigo Testamento

O batismo cristão não surgiu em um vácuo; ele está enraizado nos ritos de purificação do Antigo Testamento. Essas cerimônias frequentemente envolviam a aspersão. Para a purificação dos levitas, Deus ordenou a Moisés: "asperge sobre eles a água da purificação" (Números 8:7). O livro de Hebreus refere-se a essas práticas como "diversas abluções" (Hebreus 9:10), usando a palavra grega baptismos (βαπτισμός). Essas "abluções" ou "batismos" veterotestamentários eram, em grande parte, aspersões.

Mais profundamente, a purificação do pecado, que o batismo significa, é frequentemente descrita em termos de aspersão. O profeta Ezequiel, antecipando a nova aliança, declara a promessa de Deus:

"Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados" (Ezequiel 36:25).
O sangue de Cristo, que nos purifica de todo pecado, é chamado de "sangue da aspersão" (Hebreus 12:24; 1 Pedro 1:2). Como aponta o teólogo Charles Hodge, se a realidade espiritual — a aplicação do sangue de Cristo e do Espírito Santo — é descrita como aspersão e derramamento, é perfeitamente apropriado que o sinal visível (a água) seja administrado da mesma forma.⁹

A Evidência no Novo Testamento

Além da questão linguística, a prática da igreja apostólica, conforme registrada no livro de Atos, apresenta cenários onde a imersão seria, no mínimo, impraticável:

  • O Dia de Pentecostes (Atos 2:41): Cerca de três mil pessoas foram batizadas em Jerusalém em um único dia. Jerusalém é uma cidade conhecida por sua relativa escassez de grandes corpos d'água. A logística de imergir três mil pessoas em um curto período, sob o olhar hostil das autoridades judaicas, torna a aspersão ou efusão um modo muito mais provável. Turretini argumenta que "dificilmente se pode duvidar que tenha sido empregada a aspersão e não a imersão".¹
  • O Carcereiro de Filipos (Atos 16:33): O carcereiro e sua família foram batizados "naquela mesma hora da noite" dentro das dependências da prisão, após um terremoto. É altamente improvável que houvesse um tanque batismal ou um rio acessível em tais circunstâncias. A aspersão ou efusão seria o modo mais prático e plausível.
  • A Conversão de Paulo (Atos 9:18): Paulo foi batizado em uma casa em Damasco. O texto simplesmente diz que ele "se levantou e foi batizado". Não há qualquer indicação de que ele se deslocou para um rio ou um tanque.

Além desses exemplos, a analogia bíblica entre o batismo com água e o batismo com o Espírito Santo favorece a aspersão. Jesus disse: "João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo" (Atos 1:5). A experiência do Espírito no Pentecostes é descrita como um "derramamento" (Atos 2:17-18) e o Espírito "caiu sobre eles" (Atos 11:15). Como observa Adão Carlos Nascimento, "já que a construção gramatical é a mesma, no batismo com água, esta deve cair sobre a pessoa que está sendo batizada".²

A Lógica do Símbolo

A teologia Reformada enfatiza que a eficácia de um sacramento não reside na quantidade do elemento externo, mas na verdade que ele significa e sela. Herman Bavinck afirma: "o que realmente importa no batismo não é a quantidade de água que é derramada sobre as pessoas... mas é um sinal e um selo disso".⁴

A comparação com a Ceia do Senhor é instrutiva. Jesus instituiu a Ceia durante uma refeição completa, com pão e vinho em quantidades normais. Hoje, a igreja celebra a ordenança com uma pequena porção de pão e um pequeno cálice de suco ou vinho. Ninguém argumenta que a Ceia é inválida por causa da quantidade reduzida dos elementos. A mesma lógica se aplica ao batismo. Uma pequena quantidade de água aspergida pode simbolizar poderosamente a lavagem dos pecados, a purificação pelo sangue de Cristo e o derramar do Espírito Santo. O foco está na qualidade do sinal, não na sua quantidade.

A Prática Histórica da Igreja

Embora a imersão fosse uma prática comum na igreja primitiva, especialmente em climas mais quentes, a aspersão nunca foi considerada inválida. O teólogo Herman Bavinck nota que a aspersão "ocorria em tempos antigos quando não havia água suficiente ou quando uma pessoa enferma tinha de ser batizada em sua cama (baptismus clinicorum)".⁴ Cipriano de Cartago (século III) defendeu vigorosamente a validade deste batismo com base em Ezequiel 36:25.

O Didaquê, um documento cristão do final do primeiro ou início do segundo século, instrui:

"Se não tiveres água corrente, batiza em outra água... Mas se não tiveres nenhuma das duas, derrama água três vezes sobre a cabeça em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Didaquê 7).
Isso demonstra que, desde muito cedo, a igreja priorizava a administração do sacramento sobre a rigidez do modo. Com o tempo, especialmente com a expansão do cristianismo para climas mais frios e a prática do batismo infantil se tornando a norma, a aspersão tornou-se o modo predominante em grande parte da igreja ocidental, não por desvio teológico, mas por considerações pastorais e práticas.

Conclusão

Defender a legitimidade do batismo por aspersão não é diminuir a importância do batismo, mas sim afirmar a liberdade que a Escritura nos dá quanto ao modo de sua administração. A evidência lexical, os precedentes do Antigo Testamento, a praticidade nos relatos do Novo Testamento, a profunda simbologia teológica e a prática histórica da igreja formam um caso cumulativo e robusto em favor da aspersão.

Como Calvino considerava, o modo do batismo é uma questão de adiáphora (coisa indiferente), desde que o elemento (água) e a fórmula trinitária sejam utilizados. A essência do batismo não está na quantidade de água, mas na imensa graça que ele representa: nossa união com Cristo em Sua morte e ressurreição, a purificação de nossos pecados e o selo da promessa do Espírito Santo. A aspersão, ao simbolizar tão belamente a aplicação do sangue de Cristo e o derramamento do Espírito, permanece um modo válido, bíblico e honrado de se batizar em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.

Referências Bibliográficas

  1. Turretini, François. Compêndio de Teologia Apologética, Vol. 3. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010.
  2. Nascimento, Adão Carlos. A Bíblia é nossa testemunha: Uma breve história da interpretação, 2ª edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011.
  3. Ryrie, Charles Caldwell. Teologia Básica: Um Guia Sistemático Popular para Entender a Verdade Bíblica. São Paulo: Mundo Cristão, 2012.
  4. Bavinck, Herman. Dogmática Reformada, Vol. 4. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012.
  5. Berkhof, Louis. Manual de Doutrina Cristã, 2ª edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012.
  6. Packer, J. I. Teologia Concisa: Um Guia de Estudo das Doutrinas Cristãs Históricas. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2014.
  7. Kolb, Robert, e Carl R. Trueman. Entre Wittenberg e Genebra: Teologia Luterana e Reformada em Diálogo. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2017.
  8. Chafer, Lewis Sperry. Teologia Sistemática, Vol. 6. São Paulo: Hagnos, 2013.
  9. Hodge, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.

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